sábado, 25 de janeiro de 2020

Figuras do eu


"Fabricação das figuras do eu.
Escrever um texto autobiográfico, redigir um jornal, é, antes de tudo, construir uma subjetividade, figuras do “si” — e, partindo do “eu”, do “si” em relação a outrem. Os rascunhos, os materiais de origem são o lugar por excelência onde o pesquisador pode observar os processos e as modalidades de fabricação do sujeito no espelho da escrita — a memória não sendo necessariamente sinônimo de exatidão: experimentações, tentativas, processos de controle, modulações referenciais, transações com a linguagem e suas limitações. A construção de uma postura, a escolha de um dispositivo enunciativo pode ser também função do ato de leitura, da colocação em perspectiva de um leitor, fosse ele, em um primeiro tempo, o próprio autor. À atividade escritural propriamente acrescenta-se o jogo das informações para e peritextuais que por vezes garantem aí sozinhas a leitura autobiográfica." (VIOLLET, p. 42)

Viollet C., « Petite cosmogonie des écrits autobiographiques. Genèse et écritures de soi », Genesis, manuscrits, recherche, invention, n°16, 2001, p.37-53.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Sobre René Worms


Sociólogo francês nascido em Rennes em 1869, segundo o Larousse du XXe. Siècle, foi auditor do Conselho de Estado, ensinou Direito em Caen (1897-1902) e no Instituto Comercial (1902). René fundou o Instituto Internacional de Sociologia. Suas obras filosóficas são: Précis de philosophie Elements de philosophie scientifique (1891), um estudo sobre a moral de Espinoza, Morale de Spinoza (1892). Além de diversas obras sobre Direito e economia política, ele escreveu uma Philosophie des sciences sociales.
Sob o título de “Organismo e Sociedade” (1896, junho 26, p. 2), aparece, no conservador Le Constitutionnel : journal du commerce, politique et littéraire, menção à obra de mesmo nome então recentemente publicada por René Worms, diretor da Revue Internationale de Sociologie. Tratava-se, segundo a notícia, de livro que teria causado surpresa no mundo intelectual, visto que ali o autor teria desenvolvido uma tese bizarra, ao comparar a sociedade a um corpo humano, extraindo daí um paradigma anatômico que serviria para demonstrar a identidade entre o corpo social e o individual. A psicologia coletiva é também mencionada como “lembrando muito exatamente a psicologia do ser isolado” (id., ibid.), tudo demonstrado em uma obra cujo método, descrito como perfeito, e cujo raciocínio, tido por rigoroso, às vezes pareceria desconcertante, mas “apenas para aqueles que temem um paralelo entre as unidades do corpo social com as células do corpo humano . . . ” (id., ibid.). O articulista identifica aí uma arma valiosa colocada à disposição do coletivismo moderno, conduzindo o leitor pelos labirintos da sociologia, aliás, — afirma —, “tão imperfeitamente iluminados pelos Fouillé, os Spencer, os Durkheim” (id., ibid.). Outra significativa ilação se encontra na conclusão do artigo, que entende como dever dos sociólogos barrar a ascensão “dos pseudo socialistas que, embalados em utopias, querem tomar de assalto o poder” (id., ibid.), algo que viria em desfavor de povos e repúblicas.

Organismo e sociedade (1896, junho 26). Le Constitutionnel : journal du commerce, politique et littéraire, ano 82, n. 29.794, Paris, p. 2.
Mais sobre René Worms em: 
Revue des livres. Tarde, Les Transformations du Droit, par René Worms. Extraído da Revue internationale de Sociologie, 1º. ano, n° 1, janeiro-fevereiro de 1893, p. 101-104. Disponível em Les Classiques des Sciences Sociales. Tradução: Maristela Bleggi Tomasini.

Como citar esta postagem estilo APA

Tomasini, M. (2020). Sobre René Worms. [Blog] Memória Social e Bens Culturais. Disponível em: https://bensculturais.blogspot.com/2020/01/sobre-rene-worms.html [Acesso em: 22 jan 2020].

domingo, 19 de janeiro de 2020

Tatuagem entre prostitutas

Segundo Lombroso e Ferrero (1896, p. 356), em estudo que realizaram sobre a mulher criminosa, a tatuagem figurativa seria rara e muito simples entre as prostitutas. Todavia, em certas ocasiões, quando ela aparece, estaria frequentemente associada a objetivos pornográficos, especialmente entre as classes mais ínfimas.
A figura, que aparece na obra, mostra exemplos de tatuagens colhidas entre prostitutas.

LOMBROSO, C; FERRERO, G. La femme criminelle et prostituée. Paris: Alcan, 1896.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

REVISTA VIDA BRASIL

Solidão incomoda

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Solidão incomoda, é verdade. Mas, seguramente, não aos solitários. Incomoda aos outros. Gente que, não conseguindo aceitar o fato de que há quem prefira ficar só, procura com inacreditável persistência inventar mil motivos para o que entendem como uma espécie de patologia social daquele que, sim, gosta de ficar sozinho. Inclusive no Natal. Inclusive no Ano Novo. Inclusive no próprio aniversário. Inclusive quase sempre.

Solidão incomoda


Bem, há quem duvide. Parecem convictos de que o solitário sofre. Ou porque merece ou porque se ressente do mundo e, egoísta, isola-se. São os que se ofendem com a solidão dos outros. Ficam irritados pelo fato de alguém não se encantar diante da sedutora pirotecnia social que se abre ao tal mundo melhor e não parecer nem um pouco maravilhado com o ruidoso espetáculo das cores brilhantes da meia-noite. Sentem-se pessoalmente hostilizados com uma escolha que lhes é incompreensível, embora alheia. E, como se trata de gente que faz dos próprios valores a medida do mundo, o melhor é deixá-los crer no pior acerca de nós. Aliás, considero uma sorte tremenda ser vista por gente assim, no mínimo, como uma pessoa esquisita e excêntrica. Gente mais chata! Pensam que são pessoas tradicionais quando, na verdade, cultuam apenas um conservadorismo rançoso que coroa uma visão de mundo rasa e simplista. Jamais entenderiam que as verdadeiras tradições são muito mais profundas do que a superficialidade de gestos copiados e repetidos. É mesmo bem o contrário do que eles pensam: apenas aquele que é seguro de sua pertinência no mundo, seguro de sua própria identidade, de sua originalidade irredutível, — como diz Gabriel, um querido amigo meu —, é que pode, sim, preferir a solidão.
Mas nem todos duvidam. Há os que se explicam a solidão do próximo. Quando afirmo que solitários não apenas gostam, mas até preferem a solidão, eles discordam veementemente. Alguns entendem que se trata de conformismo. Por sua lógica concluem que o coitado que ficou sozinho não tinha para onde ir. Mostram-se mesmo penalizados e querem parecer compreensivos. Eles tentam sinceramente entender a razão pela qual alguém opta por ficar em casa, mesmo podendo estar na praia, por exemplo, jogando-se contra sete ondas, vestindo branco por cima e amarelo por baixo, espremendo-se na multidão, comendo lentilhas, bebendo, apreciando os fogos! Como assim não gostar de tudo isso? Daí, — por respeito e não sem algum custo emocional —, insinuo que vou para algum lugar que não posso revelar. Dou a entender que tenho um encontro e peço discrição. Pronto. É como mágica. Sempre funciona. Trocamos olhares cúmplices e tudo se resolve da forma mais educada possível.

Mas entre os que duvidam e os que pensam que explicam a solidão dos outros, há ainda os raros simpatizantes que fazem o mesmo ou que certamente o fariam se pudessem. Aqueles que, enfim, invejam o solitário. Nem todos podem se dar ao luxo da solidão. O mundo tem seus tentáculos. Ele não é apenas cheio de gente, mas ainda repleto de significados, entremeado de símbolos. Há uma semiologia comportamental, um dever ser que funciona à maneira do trânsito: com sinais abertos, fechados, multas e desastres. O solitário é aquele que vai pelos atalhos, quando não move montanhas, não necessariamente pela fé. Afinal, obstáculos se contornam ou se explodem mesmo. Assim como para seguir em relativa segurança em meio ao trânsito é preciso conhecer os sinais, para viver socialmente também é preciso compreender tanto as regras gerais como ainda perceber, individualmente, os demais. Tarefa, aliás, desafiadora. Compreender o mundo e observar os outros. Inspirar-se até em tantos personagens que podem ser muitas vezes encantadores, outras vezes, até desconcertantes. A fauna e a flora social vicejam por séculos e mais séculos sob o firmamento desse mundo que, recentemente, parece que não teve outra opção que não a de se achatar. Eu mesma não esperava viver para ver a Terra ficar plana. Mas parece que ficou. Isso, entre outras novidades, ainda tem sobre mim um efeito impactante que, felizmente, a solidão abranda.
E não se enganem. Só porque o solitário consegue perfeitamente bem e, aliás, com algum sucesso, circular por aí, tal não significa que ele prefira viver socialmente. Solidão é escolha ou deverá ser lida como abandono. Solidão é algo que se conquista, e é preciso investir pesado para obter esse habeas corpus, verdadeira alforria da qual nasce a liberdade, condição criadora não compartilhável, berço da inspiração.

Experimentar o silêncio e a solidão, homenagear o tédio, mesmo quando o mundo lá fora festeja qualquer coisa, é estar perto de si. Escutar-se. Escrever e ler. Porque escrever é, por certo, socializar-se no tempo e no espaço, muito além do bairro, da paróquia, da vizinhança. É compartilhar certezas e confessar incertezas. Ler é deliciar-se com a presença de outros que trazemos para muito perto de nós. Há ainda a música. E assim, aos poucos, porta trancada atrás da gente, todo o espaço da casa sossega. As janelas fechadas deixam passar apenas o mínimo de claridade. As luzes indiretas das luminárias antigas encarregam-se dos detalhes. O relógio parado não bate mais nem à meia-noite nem ao meio-dia. Os livros, todos e cada um, desfilam suas lombadas, e eu hesito sobre com qual deles vou passar as próximas horas mágicas.

Sim, porque é feriado. O mundo lá fora está ocupado com comida, bebida, roupas, ruídos, a loteria, as simpatias, os relógios, o branco, o amarelo, os santos e os orixás, as dívidas, os créditos, as promessas, o grande amor que não era o verdadeiro e o próximo que virá, para sempre, no ano que vem. É preciso ser visto feliz e sorrindo na companhia dos amores e dos amados. A sagrada família precisa se mostrar unida. Que assim seja. Enquanto eles se embriagam dessa felicidade ostensiva, eu, sozinha, me vejo cercada do requintado conforto que pude honestamente conquistar. Honestamente, porque tudo aqui é de verdade: a minha Coca Zero estocada aos litros para que eu não precise sair por pelo menos 48 horas, Balzac na saleta em companhia de Maupassant que já despertam do sono eterno para terem comigo por horas de leitura. Há o café especial para quando este calor aplacar e também alguma comida na geladeira para quando der fome. Há também tintas, lápis de cor e nanquim para que eu possa brincar de rabiscar desenhos inacabados que um dia terei outra vez a paciência de terminar. Enfim, o perfeito kit de sobrevivência para que eu consiga, mais uma vez, chegar ilesa ao ano que vem.





Autor: Maristela Bleggi Tomasini

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Sociedade e Governo

"A sociedade é produzida por nossas necessidades, e o governo por nossa maldade; a primeira promove nossa felicidade positivamente, unindo nossas afeições, enquanto o segundo o faz negativamente, impondo limites aos nossos vícios... Em todo estado, a sociedade é uma benção, mas o governo, mesmo no melhor dos Estados, é um mal necessário." PAINE apud ARENDT, p. 122.

ARENDT, Hanna. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

Imagem: Thomas Paine (1737-1809). Óleo sobre tela de Auguste Millière, 1876, National Galery. Fonte: Wikimedia Commons.



sábado, 11 de janeiro de 2020

Coisas de Comte

"O idiotismo consiste no excesso de objetividade, quando o nosso cérebro se torna demasiado passivo; a loucura propriamente dita, no excesso de subjetividade, devido à atividade desmedida desse aparelho. Mas o grau médio, que constitui a razão, segue ele próprio as variações regulares que experimenta toda existência humana, tanto social, quanto pessoal."

COMTE, Augusto. Catecismo Positivista. Rio de Janeiro: Templo da Humanidade, 1934, pp. 177-178.

PS.: Curioso, não? A propósito, atualizei o português.