Mostrando postagens com marcador Alain de Benoist. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Alain de Benoist. Mostrar todas as postagens

domingo, 10 de outubro de 2021

Percepções

 “Na época moderna, a análise econômica liberal será progressivamente estendida a todos os fatos sociais. A família será assimilada a uma pequena empresa; as relações sociais, a um entrelaçamento de estratégias de interesses comerciais; a vida política, a um mercado onde os eleitores vendem seu voto pela maior oferta. O homem será percebido como um capital; a criança, como um bem de consumo durável. A lógica econômica será assim projetada sobre o todo social, onde há pouco se incrustou, até englobá-lo inteiramente". BENOIST, Alain. Critiques théoriques. Lausanne: Editions L’Age d’Homme, 2002, p. 21

domingo, 25 de julho de 2021

Entrevista com Alain de Benoist

A luta ideológica faz hoje parte da “Guerra cultural”?


Karl Marx não errou ao dizer que a ideologia dominante é sempre a ideologia da classe dominante. Enquanto ela for dominante, impregna os espíritos sem que estes se deem conta disso (vê-se mal a ideologia quando se nos identificamos com ela), tornando-os sempre mais conformes, sempre mais dispostos a admitir exigências apresentadas como tão “evidentes” quanto “insuperáveis”, o que reforça sua legitimidade. No século XIX, ela fazia assim aparecer o proveito como a remuneração natural do capital, enquanto ele é, antes, o produto do trabalho. A ideologia dominante é hoje a ideologia do mercado, fundada sobre a ideologia econômica, sobre a ideologia dos direitos do homem e sobre a ideologia do progresso. A classe dominante é a Nova classe mundializada. 


Mas toda sociedade é um “campo ideológico”, como escrevia Louis Althuser, para o qual os aparelhos produtores da ideologia dominante colidem com outras ideologias que os contestam. É a relação de força entre essas diferentes ideologias que define o espírito do tempo e deixa prever suas transformações. “Não existe nada no mundo tão poderoso quanto uma ideia da qual é chegada a hora”, dizia Victor Hugo.


quinta-feira, 1 de julho de 2021

Uma reflexão de Alain de Benoist sobre arte e cultura

Eu não diria que cultura popular e alta cultura se equivalem. Pretender que não há diferença entre ambas seria impor verdadeira neutralização da arte e da literatura, nivelando-as ao gosto das massas. Arte, sobretudo, tem uma função incômoda. Eu diria que ela deve ser, no mínimo, perturbadora, senão mesmo corrosiva. A busca de estetizar o mundo vem banalizando a arte, que se aproxima do real, assumindo uma fealdade que a generaliza, expandindo-a diante de consciências que se estreitam e se uniformizam cada vez mais, ao gosto do prêt-à-porter ou do prêt-à-penser, onde parecido se torna igual. Autenticam-se as imitações e o artístico se aproxima do meramente artesanal. Observo uma aproximação que a  homogeneização forçada que mistura a arte, a política e o simples dia-a-dia, a prosaica realidade do cotidiano, aniquilando-se aí qualquer possibilidade de transcendência, apanágio da toda verdadeira arte, que é substituída pelos cenários vazios e superficiais produzidos pela propaganda.

Sentidos embriagados perdem em penetração o que ganham em aturdimento e euforia. O que conta é a embalagem, pois o conteúdo aqui é dispensável. Mais ou menos como a marca em detrimento do produto, adquirem-se gostos e opiniões para etiquetar o vazio deixado pela ausência dos significados que só a verdadeira arte nos faz descobrir, em um processo que não pode ser encenado por nenhuma dinâmica da indústria cultural, que desumaniza pelo consumo, que destrói a possibilidade de emergência de uma consciência crítica, que elimina cada vez mais a possibilidade de escolha. Acredita-se que qualquer coisa pode ser arte e que qualquer um pode ser artista, destruindo-se assim, também na estética, as barreiras que, em outros campos, separam a elegância da vulgaridade, a saúde de doença, o sagrado do profano, suprimindo-se qualquer possibilidade de assinar-se à beleza uma função transcendente, coisa que só a genuína obra de arte pode oferecer.

É que a verdadeira arte desiguala, na medida em que requer muito mais que a mera destreza artesanal e a sensibilidade de massa, embotada pela publicidade, que ratifica a fealdade imperdoável na qual mergulha o mundo moderno, onde proliferam bienais e aglomerações urbanas chocantes que vão de favelas a barueris, ambas amostras de padronização, seja da miséria, seja do mau gosto ostensivo que acompanha todo dinheiro novo em seu culto à vulgaridade praticado com todo fervor. Vivemos muito, é verdade, e com notável bem estar material, acesso à tecnologia, aos avanços da ciência. Mas nossas vidas são esterilizadas pela massificação da qual não se pode escapar. O mundo fica cada vez mais espetacularmente feio.

A Modernidade consiste neste movimento político e filosófico que vem acontecendo nos últimos três séculos da história ocidental e que, portanto, abrange nossas vidas.

Eis os cinco processos convergentes que caracterizam a modernidade:

a individualização, pela destruição das antigas comunidades de pertinência;

a massificação, pela adoção de comportamentos e de modos de vida estandardizados;

a dessacralização, pelo refluxo das grandes pregações religiosas em proveito de uma interpretação científica;

a racionalização, pela dominância da razão instrumental através da troca de mercadorias e da eficácia técnica,

a universalização, pela extensão planetária de um modelo de sociedade implicitamente colocada como único possível racionalmente, logo, como superior.

Dentro desses processos caracterizadores da modernidade, a humanidade é aí percebida como uma soma de indivíduos racionais que, por interesse, por convicção moral, por simpatia ou ainda por temor, são chamados a realizar sua unidade na história. Nesta perspectiva, a diversidade do mundo torna-se um obstáculo, e tudo aquilo que diferencia os homens é percebido como acessório ou contingente, ultrapassado ou perigoso.

Fonte: BENOIST, A. de, CHAMPETIER, C. La Nouvelle Droite de l’an 2000. Élements, 94, Février 1999.

 

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Alain de Benoist: Digam o que disserem os liberais, a ideologia é inerente à natureza humana


Entrevista realizada por Nicolas Gauthier[1]
Exceto para você, aparentemente, o termo “ideólogo” é doravante quase um palavrão. Aquele de “doutrinador” também. Esses dois termos são sinônimos?
Na origem, quando o termo foi criado em 1798 por Destutt de Tracy, a ideologia era apenas a disciplina voltada ao estudo das ideias por si mesmas. Muito depressa, a palavra passou a designar um sistema de ideias, de normas e de valores com vistas a propor, sob uma forma coerente, e em oposição ao único conhecimento intuitivo da realidade, certo modo de se representar e compreender o mundo. A ideologia, pois, tem um alcance mais amplo que a doutrina, que procura, de preferência, fornecer um programa de ação. Necessariamente coletiva (não existe ideologia individual). Ela pode, além disso, revestir-se das mais diferentes formas: ideologias políticas, econômicas, sociais, religiosas, etc.
Aqueles que não utilizam a palavra senão que de maneira pejorativa aí encontram um prisma deformador, que engendraria, inevitavelmente, uma “falsa consciência”. Trata-se, na realidade, de um filtro. Para a espécie humana, os fatos brutos são por si mesmos desprovidos de sentido. O homem é um animal hermenêutico, ou seja, ele tem necessidade de interpretar os fatos em função de uma trama que possa lhes dar sentido. É por isso que a ideologia se revela ao mesmo tempo útil e onipresente. Bem entendido, as ideologias podem ser boas ou más, pertinentes ou errôneas, mas de um erro ideológico não se pode deduzir que todas as ideologias sejam nefastas. Qualquer um que não seja ideologicamente estruturado, que não disponha de uma concepção global do mundo, é, ao contrário, ao mesmo tempo vulnerável e impotente.
Esse papel positivo da ideologia aparece muito mais nitidamente ainda ao se tomar a palavra no sentido de sua etnologia. Um antropólogo como Clifford Geertz, por exemplo, mostrou bem que a ideologia é potencialmente fundadora da identidade dos grupos humanos. Longe de ser um fator de desconhecimento, ela desempenha um papel de integração positiva e contribui para a auto definição das sociedades, particularmente nos momentos históricos em que, como hoje, os referenciais anteriores se desagregam. Ela aparece desde então como um dado básico da vida social. Pareto pensava mesmo que ela “faz parte integrante do caráter do homem civilizado”.
É-nos regularmente dito que o último século foi aquele do advento das ideologias, mas também de sua morte. Esse diagnóstico lhe parece fundado?
No momento em que se vê eclodir a ideologia islâmica, parece-me de preferência maluco! Aqueles que, no passado, anunciaram o “fim” ou o “crepúsculo das ideologias” (esse foi o caso de Daniel Bell em 1963, de Gonzalo Fernández de la Mora em 1964) revelaram-se tão maus profetas quanto aqueles que, no dia seguinte ao colapso do sistema soviético, arriscaram-se a predizer o “fim da história” (Francis Fukuyama em 1992). Eles não viram que a ideologia é inerente à natureza humana. Mas são sobretudo os liberais que têm estigmatizado a ideologia, ainda que pretendendo, seguramente, estarem eles próprios isentos dela. Sua trajetória se situa no prolongamento desta filosofia das Luzes que pretendia fazer desaparecer as “superstições”, fundando unicamente sobre a razão uma ordem social anteriormente fundada sobre a tradição. Ela evoca também a tese de Augusto Comte, segundo a qual a humanidade se dirigiria inelutavelmente da era teológica à era científica, ou às visões de um Saint-Simon, desejoso de “substituir o governo dos homens pela administração das coisas”. O positivismo cientista não está longe. Trata-se de esquecer, não apenas que há uma ideologia liberal, mas também uma ideologia da ciência...
É nesse espírito que, junto a muitos outros, Jean-Louis Beffa, chefe de Saint-Gobain, opunha recentemente o “partido dos realistas” ao “amplo e compósito clã dos ideólogos”. As ideologias seriam apenas paixões emocionais sem valor científico, do imaginário sem relação com a realidade, da ilusão e do sectarismo. Denunciar as ideias adversas como ideologias permite, pois, desacreditá-las. Esse refrão é comumente retomado pelos tecnocratas e pelos experts, para quem os problemas políticos são, em última análise, problemas técnicos para os quais existe apenas uma única solução “racional”. O fantasma da organização científica (ou racional) da humanidade é apenas uma maneira entre outras de negar a essência do político. Opor as ideologias às “ciências positivas” não é mais inteligente.
A luta ideológica faz hoje parte da “Guerra cultural”?
Karl Marx não errou ao dizer que a ideologia dominante é sempre a ideologia da classe dominante. Enquanto ela for dominante, impregna os espíritos sem que estes se deem conta disso (vê-se mal a ideologia quando se nos identificamos com ela), tornando-os sempre mais conformes, sempre mais dispostos a admitir exigências apresentadas como tão “evidentes” quanto “insuperáveis”, o que reforça sua legitimidade. No século XIX, ela fazia assim aparecer o proveito como a remuneração natural do capital, enquanto ele é, antes, o produto do trabalho. A ideologia dominante é hoje a ideologia do mercado, fundada sobre a ideologia econômica, sobre a ideologia dos direitos do homem e sobre a ideologia do progresso. A classe dominante é a Nova classe mundializada.
Mas toda sociedade é um “campo ideológico”, como escrevia Louis Althuser, para o qual os aparelhos produtores da ideologia dominante colidem com outras ideologias que os contestam. É a relação de força entre essas diferentes ideologias que define o espírito do tempo e deixa prever suas transformações. “Não existe nada no mundo tão poderoso quanto uma ideia da qual é chegada a hora”, dizia Victor Hugo.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A Ordem Moral

Robert de Herte[1]

Numerosos espíritos tristes queixam-se hoje de que "não existe mais moral". Curiosa queixa. Mais moral? Mas ela existe hoje mais do que nunca. A moral invade tudo em nossos dias. Mas não é mais a mesma.

É verdade que muitos de nossos contemporâneos se consideram libertos de toda regra moral. Aqueles que lhes fazem a lição evitam "fazer a moral". Eles se exprimem tomando a precaução de dizer que seus julgamentos não são inspirados pela moral. Ao termo "moral", que traz com ele conotações religiosas que muitos julgam envelhecidas, prefere-se, aliás, o termo "ética", que parece melhor convir a uma sociedade laica, ainda que a origem etimológica de ambas as palavras seja a mesma (mores e ethos) e ainda que, a rigor, a ética não saberia ter um alcance individual.

Não há dúvida de que a moral tradicional se perde. Mas outra a substitui. A antiga moral prescrevia regras individuais de comportamento: a sociedade se portaria melhor se os indivíduos que a compõem se comportassem bem. A nova moral quer moralizar a própria sociedade sem impor regras aos indivíduos. A antiga moral dizia às pessoas aquilo que elas deveriam fazer; a nova moral descreve aquilo que a sociedade deve se tornar. Não são mais os indivíduos que devem se conduzir de modo direito, mas é a sociedade que deve se tornar mais "justa". É que antiga moral era subordinada ao bem, enquanto a nova é subordinada ao justo. O bem realça a ética das virtudes; o justo, uma concepção de Justiça, ela mesma colorida de uma forte impregnação moral. Mesmo quando elas pretendem permanecer "neutras" quanto à escolha de valores, as sociedades modernas aderem a esta nova moral. Elas são simultaneamente ultrapermissivas e hipermorais.

O fundo das coisas é o que Max Weber chamava de a lógica do dever-ser. A Antiguidade vivia em comunhão do Ser, a modernidade nascente reclama-se a do dever ser. Em termos simples: o mundo deve se tornar uma coisa diferente daquilo que ele foi até agora. Ele deve ser transformado para se tornar "mais justo". Ele deve ser reconstruído segundo um projeto saído de uma crença antiga ou da razão moderna. A justiça e o direito não definem mais uma relação de equidade entre as pessoas, mas exprimem eles também um dever-ser. Todo social é assim reinterpretado à luz desse dever-ser, que não faz nenhum caso da natureza das coisas e dos seres.

Na base do dever-ser, encontra-se uma recusa tal e qual ele é. Essa recusa, de certa maneira é também um "não" à vida. "Mundus est imuuundus", dizia Santo Agostinho, é preciso pois transformá-lo, corrigi-lo, para satisfazer às exigências divinas dizem uns, para fazer frente à necessidade histórica pretendem outros. Esta vontade de reconstruir o mundo, ou ainda de restaurá-lo (tikkun[2]), remonta à Bíblia, que nos diz que o mundo é imperfeito, que ele é atingido por uma menos valia. Toda a ideologia do progresso, todo o utopismo das Luzes representam disso a versão profana: sob hábitos seculares (a felicidade substitui a salvação, o além cede lugar ao amanhã), é ainda e sempre a velha fé messiânica e quiliástica[3] na marcha irresistível da história em direção ao seu final (movimento calcado sobre uma auto supressão) que está em construção. O Progresso é esta lenta melhora do mundo, chamado a progredir de maneira unitária em direção a dias melhores. "Substituí a salvação cristã pela fé no progresso, diz Pierre Legendre, e obtereis o credo comercial do ocidente planetário".

A religião cristã é, desde o início, desejada como constitutiva de uma "comunhão universal real" (Pierre Manent), a república Cristã. Os teóricos das Luzes asseguram que é apoiando-se sobre suas próprias faculdades, e não observando os preceitos de Deus, que os homens asseguraram sua salvação e chegaram a criar a sociedade perfeita, ao menos a sociedade definitiva, "final". Mas a própria ideia de um movimento da história que se oriente nessa direção lhes vem de uma religião que eles acreditam haverem abolido, ainda que não percebam que ela se torna assim mais operante que nunca. Como diz John Gray após muitos outros, a começar por Karl Löwith, as Luzes se limitam a reciclar a crença segundo a qual a história é a narrativa da salvação da humanidade. Gray mostra que esta crença se encontra tanto no comunismo stalinista quanto no neoconservadorismo americano, que acredita que se pode chegar à sociedade perfeita "dando livre curso à magia do mercado". "A despeito de suas pretensões a uma racionalidade científica, o neoliberalismo tem raízes em uma interpretação teleológica da história enquanto processo com um objetivo predeterminado, e nisso, como em outras regiões, ele apresenta forte semelhança com o Marxismo" (Black Mass. Apocalyptic Religion and the Death of Utopia, Allen Lane, London 2007).

Fundada sobre os direitos subjetivos que os indivíduos teriam sobre o estado da natureza, a ideologia dos direitos do homem, tornada a religião do nosso tempo, é antes de tudo uma doutrina moral. Sua principal característica, escreve Marcel Gauchet, é a de "enraizar-se naquilo que constitui efetivamente a pedra de toque do legítimo e do ilegítimo no seio de nosso mundo, a fim de extrair daí, ao mesmo tempo, uma grade de leitura e um programa para a ação coletiva [...]. A ideologia dos direitos do homem decifra a realidade social à luz daquilo que ela deveria ser [...] O único inconveniente desse imperialismo do dever-ser é que ele não favorece a compreensão dos obstáculos que encontra em seu caminho, ainda quando eles respondem manifestamente a fortes necessidades do ponto de vista da existência comum. A única coisa que ele tem a dizer é que eles não deveriam existir. Onde buscar sua finalidade? O afastamento da norma é rejeitado nas trevas exteriores como um mal cuja condenação enquanto mal supõe-se esgotar a compreensão. A ideologia dos direitos do homem traduz-se, em outros termos, por uma invasão de moralismo, um moralismo ainda mais implacável quando mobiliza as molas íntimas da afetividade” (« De la critique à l’autocritique », in Le Débat, mai-août 2008, p. 159).

A nova ordem moral é aquilo que Philippe Muray chama de o império do bem. Esse bem não é senão que um bem derivado da prioridade do justo, um bem “objeto do desejo justo”. Esse bem degenerou hoje em um novo moralismo — uma “moralina”, diria Nietzsche. Paralelamente, o mal é negado como fazendo parte intrinsecamente da natureza do homem, ainda que sendo reconhecido sob a forma extrema do “mal absoluto”, como negação radical do bem dos direitos do homem.

A direita tem frequentemente uma visão fundamentalmente ética da política, a esquerda, uma visão moral. De um lado, Excalibur; de outro, as Beatitudes. Dois universos de valores muito diferentes, mas também impolíticos (impróprios à compreensão daquilo que é a política) um quanto outro. Hoje é a visão moral que domina. E é assim que esta sociedade, que muitos julgam desprovida de toda moral, pode, em realidade, achar-se portadora de uma moral de outro gênero, de um moralismo onipresente que propagam os seus devotos, seus missionários e suas ligas da virtude. Procuram-se libertinos.

Robert de Herte, Éléments n°130, 2009.
Disponível em:  http://grece-fr.com/?p=1550





[1] Pseudônimo de Alain de Benoist quando assinava editorias da revista Éléments pour la civilisation européenne (N. da T.).

[2] Tikkun significa “correção”. Assim a chamada Tradição cabalística designa o caminho mais benéfico para nosso crescimento espiritual (N. da T.).

[3] Milenarismo. Doutrina que assegura que os predestinados ainda permaneceriam na Terra durante mil anos após o julgamento final, no gozo de todos os prazeres (N. da T.).

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Liberalismo

“Na época moderna, a análise econômica liberal será progressivamente estendida a todos os fatos sociais. A família será assimilada a uma pequena empresa; as relações sociais, a um entrelaçamento de estratégias de interesses comerciais; a vida politica, a um mercado onde os eleitores vendem seu voto pela maior oferta. O homem será percebido como um capital; a criança, como um bem de consumo durável. A lógica econômica será assim projetada sobre o todo social, onde há pouco se incrustou, até englobá-lo inteiramente."

BENOIST, Alain. Critiques théoriques. Lausanne: Editions L’Age d’Homme, 2002, p. 21.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A Cidade



'Mas a «cidade de cultura» em breve se expande. Desdobra-se em arrabaldes que, pouco a pouco, vão absorvendo os meios rurais circundantes. A relação com a natureza deixa de ser dialéctica para passar a ser esterilizante. O mundo rural é esvaziado, sem que tenha tempo de se renovar. Paralelamente, a gestão da cidade torna-se cada vez mais pesada e burocrática. Formas geométricas e cristalizadas substituem-se às formas orgânicas. O anonimato é a regra, encontrando-se o indivíduo desprovido de meios para se situar, de forma perdurável, em relação ao seu próprio meio. É assim que surge a «cidade mundial», submetida, segundo as épocas, ao poder dos tecnocratas ou dos funcionários imperiais. A sua aparição, diz-nos Spengler, corresponde ao estádio da «petrificação» das culturas. «Estas cidades gigantescas e pouco numerosas», escreve, «banem e matam, em todas as civilizaçãos, sob o conceito de província, e por inteiro, a paisagem que foi a mãe da sua cultura (...). Elas transformam-se na história petrificada de um organismo».' 

BENOIST, Alain de. A Cidade in "Nova Direita Nova Cultura – Antologia crítica das ideias contemporâneas", Lisboa, Fernando Ribeiro de Mello/Edições Afrodite, 1981. 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A PANÓPTICA


As sociedades ocidentais da atualidade dispõem de meios de vigilância e de controle com os quais os antigos regimes totalitários teriam apenas sonhado. E atualmente eles são empregados cada dia um pouco mais. A essa vigilância soma-se o “politicamente correto”, que procura normatizar a opinião pelo emprego de palavras impostas a todos, ao estilo do “pensamento único”. Substitui-se o debate pelo sermão, de um higienismo invasivo, que visa modelar comportamentos em nome do bem, conformando preferências e dileções. Isso vai diretamente de encontro à liberdade de expressão, à propaganda, enfim, que se denomina hoje publicidade.

A segurança tornou-se, nos últimos anos, uma preocupação política essencial. Satisfazer a esta preocupação sem atingir as liberdades é um problema que não vem de ontem. No seio das “sociedade do risco”, a insegurança real ou presumida engendra um clima de incerteza e de medo apropriado a fazer nascer todos os fantasmas. O aparelho securitário faz uso desse clima para colocar a sociedade sob controle. Os totalitarismos clássicos desaparecem. São assim outras lógicas, mais sutis, de servidão e de dominação que aparecem. Elas tomam a forma de uma engrenagem complexa de proibições e de regulamentações que se legitimam pelas ameaças onipresentes. Os pretextos são sempre excelentes: trata-se de lutar contra a delinquência, de vigiar nossa saúde, de aumentar a segurança, de melhor controlar a imigração ilegal, de proteger a juventude, de lutar contra a “cybercriminalidade”, etc. A experiência mostra, porém, que as medidas adotadas no início apenas em relação a um pequeno número são a seguir sempre estendidas ao conjunto dos cidadãos. Uma vez o princípio admitido, resta apenas generalizá-lo.

“Desde alguns anos, tentam ― escreve o filósofo Giorgio Agambem ―, nos convencer a aceitar como dimensões humanas e normais de nossa existência práticas de controle que sempre foram consideradas como excepcionais e propriamente desumanas”. O problema é que, para se assegurarem de sua segurança, os homens têm, em todos os tempos, se mostrado prontos a abandonar suas liberdades. A “luta contra o terrorismo” é, desse ponto de vista, exemplar. Ela permite instaurar, em escala planetária, um estado de exceção permanente. Nos Estados Unidos, os atentados de setembro de 2001 tiveram como consequência direta enormes restrições das liberdades públicas. Esse modelo está a caminho de se generalizar. Do fato de sua onipresença virtual, o terrorismo provoca medos eminentemente rentáveis e exploráveis. Contra o inimigo invisível, a mobilização só pode ser total, pois em tais circunstâncias todos são infalivelmente suspeitos. A luta contra o terrorismo permite aos poderes públicos que se imponham frente à sua própria sociedade civil, tanto quanto frente aos seus inimigos designados. Além dessa realidade imediata, o terrorismo pode assim se definir como fenômeno gerador de um terror convertível em capital político, que aproveita menos aos seus autores do que àqueles que dele se servem como repositório, para condicionar e amordaçar seus próprios cidadãos.

Hostis a toda opacidade social, as democracias liberais se dão um ideal de “transparência” que só pode se realizar pelo esquadrinhamento social.  A sociedade transforma-se então em um bunker protegido por distintivos, códigos de acesso, câmeras de vigilância. A multiplicação de espaços privativos, sempre com a finalidade de segurança, subtrai tais espaços ao fluxo social e termina por fazer desaparecer a própria noção de espaço comum, que é aquela da cidadania. Assim se dá lugar a uma Panóptica, de outro modo mais temível do que aquela prevista por Jeremy Bentham, mas cuja função é a mesma: tudo ver, tudo entender, tudo controlar. No interior de uma sociedade de assistência generalizada, ― na qual os problemas sociais dependem apenas da “célula de assistência psicológica” e onde a obsessão ingênua do “diálogo” dá a entender que, pela discussão, tudo é negociável e pode encontrar uma solução ―, a conformidade ou “monocromia” (Xavier Raufer) se faz do mesmo jeito que se opera, em informática, a formatação de um disco rígido, de maneira que aceite apenas uma única categoria de softwares ou de programas. Compreende-se melhor, a partir daí, que a ideologia dominante fale mais naturalmente de direitos que de liberdades, pois a instauração de um novo direito se complementa, inevitavelmente, de um controle ilimitado de sua aplicação.

A figura que a sociedade de mercado procura promover é aquela do eterno adolescente refém de uma permanente adição ao consumo: a mercadoria como droga. Economia compulsiva, onde a energia é convertida em pura agitação, em simples capacidade de se distrair. Essa distração, no sentido pascaliano da palavra, aproxima-se de uma diversão. Ela desvia do essencial e contribui assim para um desapossamento de si. Provocar medo de um lado, divertir de outro, ou seja, desviar-se do essencial, impedir que se possa refletir, dar prova de espírito crítico. Tudo fazer para que as pessoas produzam e consumam, sem se interrogar sobre algo além de suas preocupações e desejos imediatos, sem jamais se engajarem em um projeto coletivo que as possa tornar mais autônomas. A sociedade assim docilizada se torna essa “tropa de animais tímidos e industriosos” dos quais falava Tocqueville. Eis o ideal da criação de aves em confinamento.

O fato mais marcante é a correlação que se observa entre a perda de autoridade e a obsolescência política do Estado-nação e o reforço de seu aparelho repressivo. Então, mesmo quando se distancia cada vez mais do domínio econômico e social, o Estado legifera e controla mais e mais seus cidadãos. A vantagem para ele é que, em matéria de segurança, não tem obrigação de resultado. Melhor ainda: seu interesse é de não obtê-lo, porque assim pode justificar a perenização de suas políticas de controle e de segurança. “Não se reelege um governo promotor da segurança total porque ele teria conseguido reduzir a insegurança. Ele é reeleito porque a insegurança persiste” (Percy Kemp). O verdadeiro objetivo não é, pois, tanto o de suprimir a insegurança, que é dádiva para aqueles que dela se aproveitam, mas o de mantê-la, de modo a tornar possível a manutenção de uma vigilância cada vez mais generalizada.

Trata-se, afinal e contas, de criar um caos latente que, sem ultrapassar certo patamar, seja suficiente para inibir qualquer tentativa de reação coletiva. A mesma tática foi observada no passado contra as “classes perigosas”, com o objetivo inconfessável de eliminar os desviantes, os portadores de uma palavra discordante. Hoje, são os próprios povos que, aos olhos da Forma-Capital e das oligarquias reinantes são globalmente transformadas em “classe perigosa”. É aos povos que é preciso domesticar. Para impedi-los de elaborar projetos coletivos de emancipação e de autonomia, é bastante inspirar-lhes medo. É para isso que serve a Panóptica. “Quando não existe o martírio físico, dizia Péguy, são as almas que não conseguem mais respirar”.

Robert de Herte, L'Panoptique. Éléments n°117, 2005, disponível em http://grece-fr.com/?p=3788