Nas sociedades animais mais inferiores, a associação consiste sobretudo em um agregado material. À medida em que se eleva sobre a árvore da vida, a relação social torna-se mais espiritual. Mas, se os indivíduos se distanciarem a ponto de não mais se verem, ou permanecerem assim distanciados além de um certo tempo muito curto, eles deixam de ser associados. Ora, a multidão, nisso, apresenta alguma coisa de animal. Não é ela um conjunto de contágios psíquicos essencialmente produzidos por contatos físicos? Mas nem todas as comunicações de espírito a espírito, de alma a alma, têm por condição necessária a aproximação dos corpos. Cada vez menos esta condição é suprida, quando se desenham, em nossas sociedades, as correntes de opinião. Não é nas reuniões de homens na via pública ou na praça pública que nascem e se desenvolvem essas espécies de rios sociais[1], essas grandes correntes que agora tomam de assalto os corações mais firmes, as razões mais resistentes, e que fazem consagrar leis ou decretos pelos parlamentos ou governos. Coisa estranha: os homens que se deixam arrastar assim, que se sugestionam mutuamente ou, antes, que transmitem uns aos outros a sugestão vinda do alto, esses homens não se acotovelam, não se veem nem se ouvem. Eles estão sentados, cada um em sua casa, lendo o mesmo jornal e dispersos sobre um mesmo território. Qual é, pois, a ligação que existe entre eles? Esta ligação é, juntamente com a simultaneidade de sua convicção ou de sua paixão, a consciência de cada um deles possui de que essa ideia ou essa vontade é partilhada, no mesmo momento, por um grande número de outros homens. É suficiente que ele saiba isso, mesmo sem ver esses homens, para que seja influenciado por aqueles tomados em massa, e não apenas pelo jornalista, inspirador comum, ele mesmo tanto mais fascinador quanto invisível e desconhecido for.
Gabriel Tarde, 1904.
[1] Observemos que essas
comparações hidráulicas vêm naturalmente sob a pluma, cada vez que se trata das
multidões como dos públicos. Nisso eles se parecem. Uma multidão em marcha, uma
noite de festa pública circulam com lentidão e diversas agitações que lembram a
ideia de um rio sem leito preciso, porque nada é menos comparável a um
organismo que uma multidão, a não ser um público. São, de preferência, cursos
d’água cujo regime é mal definido.