domingo, 30 de junho de 2024

Umberto Eco, naturalmente

 

Depois de vinte anos correntes de guerra, estamos nas mãos do homem mais poderoso do mundo, que é Bush. Hoje, ninguém mais pretende, como queria Platão, que os Estados sejam governados pelos filósofos, mas seria muito bom se estivessem nas mãos de pessoas com ideias claras. Vale a pena consultar os vários sites da internet que reúnem frases célebres de Bush. Entre aquelas sem local e sem data encontrei: “Se não conseguirmos, corremos o risco de fracassar. Já é tempo de a raça humana entrar no sistema solar. Não é a poluição que ameaça o ambiente, são as impurezas do ar e da água.” Aos jornalistas. “Gostaria de perguntar a quem me fez a pergunta. Não tive a oportunidade de perguntar a quem me fez a pergunta que pergunta tinha feito” (Austin, 8 de janeiro de 2001). “Penso que se você souber em que acredita, seria muito mais fácil responder à sua pergunta. Não posso responder à sua pergunta” (Reynoldsburg, Ohio, 4 de outubro de 2000). “A mulher que sabia que sofri de dislexia — bem, nunca entrevistei esta mulher” (Orange, 15 de setembro de 2000). Política. “A ilegitimidade é algo de que devemos falar em termos de não tê-la” (20 de maio de 1996). “Creio que estamos num caminho irreversível rumo a mais liberdade e democracia. Mas as coisas poderiam mudar” (22 de maio de 1998). “Estou atento não somente a preservar o poder executivo para mim, mas também para meus predecessores” (Washington, 29 de janeiro de 2001). “Estamos empenhados em trabalhar com ambas as partes para levar o nível do terror a um nível aceitável para ambos” (Washington, 2 de outubro de 2001). “Sei que existem muitas ambições em Washington, é natural. Mas espero que os ambiciosos percebam que é mais fácil ter sucesso com um sucesso do que com um fracasso” (entrevista a Associated Press, 18 de janeiro de 2001). “A maior coisa na América é que cada um deveria votar” (Austin, 8 de dezembro de 2000). “Queremos que cada um que pode encontrar um trabalho seja capaz de encontrar um trabalho” (programa 60 Minutes II, 5 de dezembro de 2000). “Um dos denominadores comuns que encontrei é que as esperas surgem em torno do que é esperado” (Los Angeles, 27 de setembro de 2000). “É importante compreender que se temos mais trocas comerciais, temos mais comércio” (Summit of the Americas, Quebec City, 21 de abril de 2001). Educação. “Francamente, os professores são a única profissão que ensina nossa crianças” (18 de setembro de 1995). “Teremos os americanos mais bem educados do mundo” (21 de setembro de 1997). 

 

ECO, Umberto, 1932-2016 Pape Satàn aleppe: crônicas de uma sociedade. Tradução: Eliana Aguiar. Rio de Janeiro : Record, 2017, p. 397, 398.

 

domingo, 23 de junho de 2024

Descontrução?

Fala-se muito em desconstrução. Eu diria mesmo que ela já se tornou um hábito, se não mesmo um método, nos fazeres acadêmicos. Todavia, nunca é demais tratar desse tema com quem de fato tem algo muito relevante a dizer. Falo de Derrida e de seu trabalho sobre o fundamento da autoridade, ou seja, a própria força da lei.

A desconstrução pode garantir a justiça ou ela representa uma ameaça ao conceito de justiça? Responder a essa questão de maneira clara e satisfatória é difícil e até polêmico, por conta de diferentes perspectivas que traçam visões opostas. É preciso ter em vista que estruturas binárias e hierárquicas tradicionalmente organizam o pensamento ocidental, aí incluídos os conceitos de direito e justiça. Assim, ao desfazer as oposições fixas e hierarquias que dominam nosso entendimento, o processo de desconstrução, usado como ferramenta crítica, sugere múltiplas interpretações e contextos. De um lado, uma suposta ameaça representada por narrativas dominantes e certezas presumidas; de outro, uma ferramenta que pode minar a própria base sobre a qual a justiça é construída, ameaçando a garantia de um sistema estável e coerente.

DERRIDA, Jacques. Force de loi. Le Fondement mystique de l'autorité. Paris: Galilée, 1994.