Espaço inicialmente reservado a produções relacionadas ao meu Mestrado em Memória Social e Bens Culturais, Lasalle, concluído em 2012. Depois, em boa parte, direcionado a pesquisas vinculadas ao meu Doutorado em História Social, USP, concluído em 2017 e, por fim, ao meu pós-doc em Psicologia Social junto à UERJ, concluído em 2023. Além disso, contempla temas como memória, história, arquivos pessoais, cotidiano, arte, fotografia e outros saberes.
domingo, 9 de junho de 2024
Imagens de Porto Alegre
Disponível em: AMAZON
quinta-feira, 6 de junho de 2024
Irrealidades Urbanas: poéticas visuais
Disponível na AMAZON
quarta-feira, 5 de junho de 2024
segunda-feira, 3 de junho de 2024
TEXTS AND CONTEXTS: A book to waste your time while you think about life
Texts and Contexts: A book to waste your time while you think about life
Available in: AMAZON
domingo, 2 de junho de 2024
Tempos Nostálgicos: reminiscências anacrônicas
Quem não experimentou os intrincados matizes da nostalgia? Em nossa jornada temporal, encontramos áreas cinzentas, limites imprecisos e um emaranhado de histórias em busca de suas próprias versões. Nossas lembranças, não raramente, misturam-se a nossas emoções e podem então padecer de marcado anacronismo. A escrita, quando nos conduz por esses caminhos peculiares, transforma o ato de escrever em um desafio. “Tempos Nostálgicos: reminiscências anacrônicas” reúne seis crônicas. Da primeira à última, há uma ordem de enunciações que passa, inclusive, por esboços biográficos e por desenhos criados exclusivamente para esta edição.
"O Diagnóstico de Cervantes" leva-nos ao universo imortal de Dom Quixote, onde a imaginação luta incessantemente contra a realidade, tornando-se, assim, um desafio para seu próprio criador. É um ensaio especulativo que pretende transcender as fronteiras do convencional, tecendo reflexões sobre o componente nostálgico intrínseco à nossa trajetória. Na ponta da pena ou da caneta o ato de escrever é catártico. A duração nem sempre é sincrônica, resultando frequentemente em perplexidade e angústia diante do descompasso temporal. Há ainda o receio de ser mal interpretado ou incompreendido, quando o meio se torna hipersensível ou quando nós mesmos somos traídos por convicções ciumentamente defendidas contra moinhos imaginários.
Uma figura controversa: “René Guénon”. Crítico guerreiro, ele desafiou o mundo moderno e o homem contemporâneo, que considera superado em sua busca incessante por novos modelos e estilos cada vez mais fragmentados. Na sequência, a terceira crônica que se intitula "A Morte do Homem Moderno". Quem foi o esse “homem moderno” que tanto prometia? Que caminhos ele percorreu até morrer? Nessa crônica, enuncia-se a pós-modernidade, conceito intrincado dificilmente compreendido em toda a sua complexidade, a não ser que se conte com “Jean Baudrillard”, que soube antecipar nosso tempo, e que chega em quarto lugar na ordem das crônicas que integram este livro.
“Daí à História o que é da História e à Memória o que ela escolher” procura apresentar, de maneira acessível e por meio de narrativas simples, conceitos complexos, procurando trazê-los para o contexto de nossas vivências pessoais. A História não deve ser um objeto distante; mas a Memória, sua serva obstinada e inflexível, traz à tona suas nuanças em meio às tramas das grandes e pequenas cidades. Em tal descompasso temporal, História, Memória e Nostalgia se revelam como convites intrigantes para uma compreensão de sua diferentes temporalidades e perspectivas.
Ao final desta jornada, deparamo-nos com a figura de Gabriel Tarde, um homem genial que transcendeu as barreiras do mundo jurídico. Gabriel Tarde foi sociológico, psicológico e até mesmo botânico. Sua genialidade fez dele um escritor capaz de transcender o tempo em que viveu, deixando uma obra criativa e ainda atual, não obstante sua densidade.
“Tempos Nostálgicos” é um desafio destinado a pessoas que se inquietam com nossos tempos presentes. Não é um livro de verdades, nem de perspectivas claras, mas o resultado de anos de leituras e de reflexões que aprofundaram, em vez de aplacar, as perplexidades da autora.
Boa leitura.
Disponível em: https://kdp.amazon.com/pt_BR/bookshelf
segunda-feira, 10 de julho de 2023
A propósito
Baudrillard tem toda razão quando diz que nossa realidade histórica passa pelo crivo da mídia, inclusive os acontecimentos trágicos do passado. E é tarde demaias para compreendê-los "historicamente". Nossa consciência moral e coletiva também são efeitos midiáticos. Mesmo acontecimentos e ideias são substituíveis, assim como a história, porque tudo pode, simplemente, não ter existido.
Jean Baudrillard (1929-2007)
Embora filha do século XX, nascida depois da II Guerra, nunca deixei de ter certo ar não diria conservador, mas meio Belle Époque, naquilo que o século XIX tinha de irreverente e de vanguardista. Contudo, vivi e tenho vivido demais e, ao alcançar o século XXI, fui desafiada a interpretar estes nossos tempos pós-modernos, pensando esse presente que se consuma e se consome em breves instantes. Em meio a esse desafio, batalha cotidiana que me acelera o coração e a mente, encontrei um homem que me trouxe, mais que palavras, um verdadeiro turbilhão de ideias.
Apaixonei-me por
Baudrillard quando estudava o destino dos descartes: coisas das quais nos
desfazemos, porque sua utilidade se perdeu. Especular sobre o tema levou-me à
leitura de Le Système des objets. Parei tudo o que vinha pesquisando.
Revisei e revivi conceitos. Mudei meu olhar sobre o mundo. O livro é uma das
primeiras obras de Baudrillard, publicada em 1968. Foi sua tese de doutorado em
Sociologia, defendida em 1966 na Universidade de Paris X, Nanterre. Só a banca
já causa arrepios a quem quer que já tenha respirado a atmosfera acadêmica: Henri
Lefebvre, Roland Barthes e Pierre Bourdieu.
“O Sistema dos Objetos” me fez entender a relação entre cultura e consumo e, mais ainda, me deu condições de aferir até que ponto essa relação não poderia comprometer minha própria identidade. Porque os objetos não são coisas inertes, mas ingredientes que atuam ativamente na construção da vida social, expressando ideias e valores. Os espelhos, por exemplo, se relacionam ao espaço assim como os relógios, símbolos da permanência, se relacionam ao tempo. São equivalentes, nesse sentido, atuantes. Quanto mais espelhos, — diz ele —, mais gloriosa é a intimidade, mas também mais circunscrita a si mesma.
Baudrillard requer que o leitor vá além da leitura. Percorro seus textos e, pelo caminho, ele vai me inoculando suas experiências. Em certos momentos, sinto o terrível tédio que o mundo lhe causa; em outros, me entusiasmo ao perceber como ele abstrai de qualquer coisa as mais brilhantes ideias. É minha imaginação que ele consegue provocar literalmente em over doses seguidas. Para mim, descobri-lo foi uma experiência visceral, tão próxima da arte quanto deve estar um filósofo. Logo ele, que disse que jamais pretendeu a verdade, porque a respeitava demais para colocá-la em perigo. Nada daquele clássico distanciamento do objeto, nada de textos impessoais.
Desde então, adotei Baudrillard como quem adota um santo. Só que, em lugar de comprar uma imagem e orar diante dela para obter um milagre ou uma graça, é diante de seus livros que me deixo encantar, seduzir e apaixonar. Se não encontro ali a graça ou o milagre de uma intervenção divina, é no tênue reflexo de sua humanidade já extinta que encontro as fórmulas que me ajudam a compreender esse tempo presente que, afinal, eu ainda tenho de viver, não sem algum esforço, é verdade. Refém dessa hiper-realidade midiática, acredito que outros, assim como eu, sintam às vezes necessidade de certo isolamento, em busca de um refúgio capaz de nos devolver a simples realidade, diante de tantos desejos novos a saciar, de tantas necessidades novas a suprir, de tantas coisas novas a experimentar. Em um extremo, avatares imbecilizantes e seus milhões de seguidores ditando comportamentos e caminhos rumo ao sucesso; de outro, zumbis que funcionam no modo automático, incapazes de uma reflexão, incapazes de abrigar uma só ideia própria que seja; no meio, a massa, irredutível, disputada aos nacos para integrar as mais diversas facções: moda, política, cultura, tudo é produto, tudo é consumo.
A obra de Baudrillard é notável e inclui “Simulacros e Simulação”, livro que inspirou o filme Matrix, que muitos acharam sensacional. Mas é “A Transparência do Mal: Ensaios sobre Fenômenos Extremos” (La transparence du mal: Essai sur les phénomènes extrêmes,1990) a obra que mais me impressiona atualmente. Entre outros temas polêmicos, Baudrillard observa que não somos mais capazes de crer, de amar, de querer, porque cremos no que o outro crê, amamos o que o outro ama e queremos o que o outro quer. Trata-se de uma derrogação geral da vontade, que eleva o querer, o poder e o saber a uma segunda instância.
E por que o mal? Porque o mal, na sociedade contemporânea, se faz cada vez mais visível e transparente, em vez de oculto e velado como costumava ser. Essa transparência tem como causa a tecnologia midiática, que faz com que tudo possa parecer banal e gratuito. Portanto, não se pode estranhar que o terrorismo, a violência urbana, a guerra e as políticas que promovem sua emergência tenham se tornado um fenômeno global. Como resistir a tamanho poder e força, quando sequer há um bem que costumava se opor ao mal? A que formas de subversão e resistência se poderia recorrer quando nossa pertinência a esse presente contínuo reafirma nossa condição de reféns de uma cultura de massa que não podemos afrontar a não ser pela via de uma contracultura também de massa que se deixa absorver pelo próprio monstro que julga combater?
Jogo de palavras? Excesso de abstração? Sim. Eis aí aspectos que podem ser criticados na obra de Baudrillard. Ele não leva em consideração os diferentes grupos culturais. Isso até pode ser verdadeiro, mas o que se sente mais fortemente nesse nosso tempo é que a cultura hoje é a do consumo, não obstante os diferentes produtos consumidos. Mudam as premissas, mas a lógica permanece a mesma, seja em relação aos mandarins dominantes, seja em relação aos culturalmente periféricos. Estes últimos se inserem marginalmente e por aí criam suas próprias inserções, que também são produtos culturais, tanto quanto os pertinentes à esfera tida como alta ou elevada. Por variados que sejam os grupos, eles se igualam pelas diferenças e se assimilam pelo consumo.
Pessimismo? Sem dúvida. Porque as possibilidades de mudança e resistência que existem já se encontram inseridas nas estruturas de poder dominantes. Essa resistência passiva nasce de uma consciência de ter consciência, e chega bem perto da mística de um encantamento. Afastar-se da passividade conformista requer modos criativos de ser. O diagnóstico de nosso tempo não é animador, porque para sobreviver ao mal é necessário deixar-se contagiar por ele. Lógica vacinal que beira à crítica da desconstrução, que lida com os problemas liquidando as soluções, que apela às metáforas e às analogias, porque é só na ordem da abstração que essas estruturas se tornam visíveis.
Resulta disso a diluição de tudo quanto foi um dia tradicional ou clássico, com a criação de uma monstruosa realidade simulada, que se sobrepõe à realidade física, buscando a emergência contínua de uma sociedade que se caracteriza unicamente pelo que consome, e cujos desejos são norteados pelo mercado e pela publicidade, pela mídia e pelo poder. Gente que não pensa, e que se assimila, a si própria, a um mero produto de mercado.
Eis as imensas riquezas deste mundo que, paradoxalmente, nos empobrecem tanto. Resisto graças aos meus livros, meus amores. Penso que é na subversão de nossa ínfima individualidade que se reinventa o cotidiano, na absoluta minoria da primeira pessoa do singular, ainda que minimamente, e ainda que escrevendo apenas para você, que não precisa de avatar e que, com toda certeza, não é nenhum zumbi.