Meu caro Papai Noel! Espero que esta lhe encontre com muita saúde e disposição! Tanta gente lhe escreve por esta época do ano e há tanto tempo, que decidi eu também fazer uso desse meio assim tão simples de pedir presentes. Mais fácil pedir e ganhar que se esforçar por ter! Não sou de conseguir muitas coisas, mas ganho um bocado delas. Acostumei-me a essa generosidade de tal forma que hoje sou consumista também. Quanto mais se tem, mais se quer. E quanto mais se ganha, mais se deseja ganhar.
Buda, com aquela história de desprendimento e de desapego, andou querendo mudar o rumo das coisas, mas felizmente não conseguiu, porque o mundo continua faminto e entupido de coca zero, batatinhas fritas, sorvetes, gorduras saturadas, cafeína, embutidos, enlatados, açúcar refinado e muito álcool. Abundam academias de um lado e bisturis de outro. Aliás, ninguém escreve para Buda. A gente escreve mesmo é para o Papai Noel, porque o senhor é que é o cara do consumo!
Pois é. O Natal vem aí e eu quero ganhar muitos presentes, exceto alguns. Desses não quero ganhar, não senhor! Porque dão uma trabalheira danada depois, para a gente mantê-los. Nada de presentes gregos, cavalinhos de Troia nem pensar! Elaborei uma lista com todo o cuidado. Espero que o senhor não se descuide de me atender, naturalmente, ainda neste Natal de 2012. Isto, é claro, se o mundo não acabar antes, no dia 21, como dizem os entendidos e os desentendidos.
Engraçado... Algo me diz que o senhor já deve estar pensando que vou lhe pedir coisas como paz, amor e felicidade. Ih! Nada disso. Essas coisas a gente não ganha. Essas coisas a gente só tem sem querer. Quem deseja, não obtém. Essas coisas só ganha quem não precisa delas... Desejar é sinal claro de que não se tem nem se pode ter. Ah! Eu sei que o senhor anda por aí espalhando que traz paz, amor e felicidade para todo mundo, mas isso é porque se escapa do serviço de proteção ao consumidor.
Paz se tem no túmulo. Essa coisa de gente zen, estilo new age, de transcendência... Ih! To fora! Sou mais uma leve agitação básica, um sininho que bate quando se pensa em coisas boas, uma ansiedade leve que deixa os olhos brilhando e o coração um pouquinho mais acelerado... Essa quase paz é a melhor parte. É o segundo antes de se abrir o pacote, é o cheiro de boneca nova da infância, o bocado de quindim umsegundo antes de entrar na boca, o cheiro do café na cozinha, o abraço apertado... O prazer da escrita que acontece sozinha, e do e-mail na caixa de entrada com a notícia boa. Paz? Não! Paz assim tipo caixinha vermelha com enfeites de Natal, fitas e cartões é coisa meio artificial, portanto, não me mande este pacote.
Amor? Ah! Esse eu também sei que o senhor não tem para pronta entrega. Até porque a gente sabe que produtos perecíveis desafiam a logística natalina. E nada é mais perecível que o tal do amor, ainda mais este assim... encomendado. Tudo bem que há outros tipos de amor, mas esses que todo mundo tem não são o tal do Amor, aquele escrito com maiúscula. Amor de pai, mãe, filho, irmão, amigo, colega, esposo, esposa, gato, cachorro, papagaio, etc.? Isso todo mundo já tem. Mas o que todo mundo quer, e que muito pouca gente tem, é aquele Amor, aquele de romance, de cinema, aquele que cria os grandes momentos. Aquele que a maioria vive através das histórias dos outros, ainda que seja apenas assistindo a novela das oito que só começa às nove. Bobagem lhe pedir isso. Se o senhor tivesse esse tipo de amor, ficava com ele. Não dava para ninguém. E mais: quem tem, sabe que tem. E não conta nada, não. Não conta para ninguém que tem, que achou. Afinal, é tão evidente...
Sobrou o que, então? Felicidade? Ih... Coisa mais banal. Felicidade a gente encontra até na farmácia! Do Prosac ao Viagra, felicidade é alguma coisa que o capitalismo ensinou a todos, democraticamente. Vivemos num mundo que bate recordes em felicidade. Acho que isso é algo assim tão insipiente hoje que não vale nem o carregamento. É um produto tão oferecido no mercado que nem mesmo a enorme demanda que ocorre dá conta de acabar com essas imensas doses de felicidade. Um porre.
Portanto, da Paz, do Amor e da Felicidade, meu caro Papai Noel, eu estou fora. Ninguém tem isso para oferecer, dar, doar ou vender. Ah... Eu me esqueci da saúde? Ih! Mas desde quando isso é coisa que se peça? Bom, se o senhor puder me dar uns olhos que enxerguem sem óculos, seria legal. Eu tenho também umas partes meio bichadas... Será que dá para repor? Saúde. Pensando bem, é coisa de velho pedir isso, não é? Ih! Chatice. E depois, não fico mal de óculos, não. Até pareço uma intelectual! Os pulmões? Ah! Dão para o gasto. As coisas bichadas? Dr. Leo já tirou e jogou fora. E eu não ia querer repor coisas que não me fazem a menor falta. No mais, o que tenho em matéria de saúde vai dando para o gasto. Se eu tivesse mais saúde do que tenho, talvez acabasse até mesmo doente. Além disso, eu me cuido muito! E como feito umpassarinho! Em todo caso, se eu tivesse uns dez centímetros a mais, talvez me sentisse por cima. Seja como for, para isso existem os saltos altos. Com meu metro e meio, não sou assim tão baixinha como dizem. Tem gente, aliás, muito menor que eu, ora!
Bem, Papai Noel... Então, como eu dizia, esta carta é para lhe pedir presentes de Natal, porque todo mundo quer presentes. Tirando então as coisas falsificadas que já lhe disse, sobre o que mesmo a gente falava? Bem, quem sabe... Não me apresse. Preciso pensar com bastante calma. Fiz uma lista, mas não sei onde guardei. Era enorme! Eu devo querer ter muitas coisas, muitas mesmo! Um monte delas, mas... O que é que eu quero de verdade?
Papai Noel! Estranho. Estava certa de que tinha tantas coisas para lhe pedir... Só que agora, escrevendo assim e me examinando com os olhos voltados para dentro, acho que tudo está no lugar. Não que seja perfeito, mas são imperfeições desejáveis. Desafiadoras. Básicas. Convivo com carências de toda sorte, mas nenhuma delas é assim insuprível. Nada que eu mesma não me proponha a remediar. Outras coisas, se não fossem imperfeitas do jeito que são, e exatamente do jeito que são, não me deixariam assim tão encantada por elas. Perfeição é coisa de deus; as coisas dos homens são imperfeitas, e isso as torna únicas, exclusivas, bem nossas.
O que poderia eu pedir-lhe então, Papai Noel?
Não sei. Pensando bem, acho que não preciso nem mesmo do Natal. Já tive natais que chegue, alguns até mesmo com peru e espumante. Hoje estou me dispensando das tais festas. Em todo caso, mande uma bicicleta para São Paulo, entregue na casa do Rogério e diga para ele não curto nada que tenha menos de quatro rodas.
Ah! E se o senhor passar por aqui, e o seu saco estiver muito cheio e pesado demais, pode entrar e descansar um pouco, tomar uma coca zero comigo e até mesmo um café. Passo um para o senhor, na hora. Com adoçante. Daí a gente conversa.
Autor: Maristela Bleggi Tomasini
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