Namoro em praia deserta
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Você já foi? Já namorou em praia deserta? Ainda sonha com isso? Ou você faz mais o meu gênero: o de uma criatura absolutamente urbana, que ama barulho de automóveis, buzinas, multidão que leva tudo pela frente, agitação, asfalto, céu sem estrelas, muitos prédios, muita fumaça, poluição! Nenhum desses aspectos do urbano, considerados terríveis pela maioria das pessoas, me incomoda. Bem ao contrário: eu simplesmente adoro tudo isso. Tanto que não me atrai viajar, a não ser que seja para outra cidade. E, de preferência, outra cidade bem maior que a minha. Com muita gente, com muito asfalto, com muita fumaça, com muito barulho, com muito stress, com muito de tudo isso!
Bem, justamente nessa fase de namorado novo, fase de amaciar, fase de muita delicadeza, de muita gentileza, o homem me veio com essa história de praia deserta. Gente! Eu quis morrer. Por nada deste mundo me passaria pela cabeça levar a sério um convite para namorar em praia deserta! Eis-me diante de um grande dilema. Ou decepcionava o namorado, dizendo que não queria saber de praia deserta coisa nenhuma, ou... Bem, cedi, e pensei comigo: seja o que deus quiser.
Decisão tomada, aceitei o convite e, com muito jeitinho, foi interrogando a criatura, a fim de saber o que eu deveria levar comigo para o tal lugar encantado que ele havia descoberto para nós. E quanto mais eu arrancava dele referências sobre o tal lugar, mais me apavorava com a ideia de ir namorar no fim do mundo. Fim do mundo, sim! O sujeito queria me levar para o fim do mundo!
Eu teria de viajar mais de mil e duzentos quilômetros. Chegar de madrugada em Guarulhos e então viajar até uma cidade para lá do Trópico de Capricórnio. Depois de chegar a tal cidade e pegar a chave de uma casa de pescador — Não era barraca, então! Ave Maria! Escapei do acampamento! — teríamos de voltar para a estrada e continuar a viagem. Depois desse bom pedaço de chão, bem adiante do núcleo de civilização onde vivia o japonês, locador da tal casa de pescador, teríamos de pegar um desvio e seguir — por uma estrada de chão batido! — tão estreita que por ela não se cruzavam dois carros, até o lugar onde havia um estacionamento.
Estacionamento? Para que estacionamento? — perguntei. — Simples, ele disse — tudo é “simples” para os homens! — a praia fica entre dois rochedos e carros não entram lá. Vamos a pé. E teremos de levar tudo. A casa fica no alto da serra do mar, em meio à mata nativa.
Ai, meu deus! O raio da casa fica bem no fim do mundo, pensei. E a tal casa “de pescador” fica no alto. Ele disse “no alto” da serra do mar e no meio do mato! Pensei comigo que era uma sorte só existir o tal do MSN para namorar a distância. Vocês já namoraram pelo MSN? Apenas mensagens de texto trocadas entre conexões discadas. Isso parece coisa do século passado, mas nem faz tanto tempo assim, namorava-se trocando mensagens tecladas. Arcaico, não é mesmo? Mas foi uma sorte. Hoje, em tempos de Skype, eu não teria conseguido esconder todas as reservas com que recebera o convite para ir namorar numa “praia deserta”.
Reservas? Bem, as reservas viraram quase pânico quando ele me disse que eu só levasse o mínimo de bagagem. “Não se preocupe com isso. Eu cuido de tudo”. Ora, qualquer mulher entra em pânico com essa frase! De tudo? Mas como ele sabe o que é “tudo” para uma pessoa nada despojada como eu? O que mais me atrai nesta vida de cidade é justamente o fato de ela permitir que a gente não precise se despojar de certos hábitos. Tudo se tem ao alcance da mão! Tudo fica perto, e até o tempo é o nosso, pois não prevalece o dia sobre
Mas voltemos à praia deserta.
Bem, a decisão estava tomada. Eu já sabia para onde ia e o que levaria comigo: apenas o mínimo de coisas. Não tive coragem de dizer que não iria. Era melhor dar um crédito ao namorado novo que me contrariava, mas, afinal, garantia que eu ia gostar do lugar. Claro, ele garantia. Eu não. Já me via comida viva por mosquitos, imaginava os bichos, talvez até cobras, sapos, insetos, grilos a noite toda, talvez chovesse, talvez não houvesse chuveiro quente... Ai, meu deus! Será que eu sobreviveria?
Bem, para variar, eu estava completamente errada. E ele, como sempre, tinha toda razão.
A começar pelo começo.
Cheguei de madrugada no aeroporto, e o namorado já estava lá desde cedo. Não só estava lá, como ainda lembrou-se de me levar direto para tomar café, pois sabe que eu não fico sem café, nem sem coca-zero, nem sem uma série de outros venenos urbanos. Ponto para ele.
No estacionamento, carro abastecido e todo revisado. — O diabo do homem não esquece nada, pensei. — Tudo preparado para viajar sem surpresas. Eu ia observando e anotando esses detalhes mentalmente. Naturalmente ele não se esquecera da câmera fotográfica que passou às minhas mãos. A cidade não ficava muito longe, e precisávamos chegar lá em horário comercial. Para evitar canseiras, pernoitamos pelo caminho, com direito a um jantar caprichado. A coisa ia bem, pensei. Ao chegarmos à cidade, ele não demorou a orientar-se e achar o tal senhor japonês, com o qual pegou a chave da “casa de pescador”. Depois fomos a um supermercado, e ele lembrou-se de tudo, como sempre. Seguimos viagem. A paisagem ia mudando rapidamente. Em alguns trechos era possível ver um mar calmo, que parecia um rio;
outros eram simplesmente soberbos.
Então ele me mostrou uma placa não muito grande. Creio que pouca gente enxerga. Ela indicava um caminho que nem mesmo se podia chamar de estrada.
Entramos por ali, e a paisagem tornou-se deslumbrante. A mata nativa era cheia de flores, samambaias, plantas de uma beleza espantosa que se combinavam entre si, de sorte a fazer pensar num projeto de jardinagem. O caminho era estreito e parecia estreitar-se mais ainda na medida em que avançávamos. Paramos num mirante. A vista inesquecível de um mar escandalosamente azul me deixou quase sem fôlego. Achei que não havia lente capaz de registrar tudo aquilo. Muito devagar, fomos percorrendo os treze quilômetros que nos levaram até o estacionamento.
Havia algumas casas escondidas por ali. Uma, porém, bem ao alto, da qual se podia ver apenas a varanda, chamava a atenção de quem olhasse para cima. Era preciso subir. Uma subida que não foi difícil, contudo, pois havia degraus de pedra ao longo da mata, esforço compensado pela exuberante beleza do lugar.
Essa casa foi outra surpresa. Se era mesmo uma casa de pescador eu não sei. Sei que era bem mobiliada, tinha uma suíte, um quarto e banheiro extra, sala, cozinha, televisão, geladeira, fogão e até micro-ondas. Havia copos, pratos, panelas e talheres. Claro que havia luz elétrica e chuveiro quente. E isso sem contar a varanda com vistas para o mar, com direito a nascer do sol, a entardecer, com direito a luar e, ainda por cima, com direito ao namorado, um sujeito cujo passatempo favorito é me contrariar o tempo todo.
Aliás, ele continua me contrariando. Até hoje!
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