Em “As palavras e as coisas”, Foucault (1966, p.7) conta que
esse seu livro nasceu de um texto de Borges que faz alusão a uma estranha
taxonomia revelada “por certa enciclopédia chinesa”. Dentre as categorias elencadas,
a divisão dos animais compreenderia, ― além dos incluídos naquela mesma
classificação da qual se trata ―, grupos tais como os pertencentes ao
imperador, os embalsamados, os domésticos, os leitões, as sereias, os
fabulosos, o cães em liberdade, os que agem como loucos, os que de longe se
parecem a moscas e até mesmo os desenhados com pelo de camelo muito fino. São
rubricas singulares, sob as quais se inscreveriam impossibilidades
repentinamente tornadas possíveis em razão de sua nomeação. A monstruosidade ali
apontada ― diz o autor ― em nada altera o bestiário da imaginação. A questão
diz mais com a ruína do espaço comum. A impossibilidade não estaria na
vizinhança das coisas, mas no próprio lugar onde elas se avizinham. É desta relação entre conteúdo e continente
que resulta a incômoda ― não obstante cômica ― incongruência, típica das
utopias, dos não lugares e talvez ― dir-se-ia ― de uma silenciosa não história. Quando se tem um encontro, — não raramente fortuito,
imprevisto —, com o arquivo de alguém,
especialmente quando esse alguém não é ninguém em especial, é possível perceber
todo um leque de possibilidades, toda uma gama de potencias surpresas. De certo
modo, tudo ali nos sugere que se pode estar em face de algum segredo.
FOUCAULT,
Michel. Le mot et les choses. Uma archéologie des sciences humaines.
Paris : Gallimard, 1966.
Nenhum comentário:
Postar um comentário