quarta-feira, 13 de junho de 2018

Raymundo Nina Rodrigues


Rio de Janeiro, onze horas da manhã do dia 19 de janeiro de 1888, na presença da Guarda de Honra do 1º Batalhão de Infantaria, teve lugar a cerimônia de colação de grau dos doutores em medicina que concluíram o curso em 1887. O público era seleto. Estavam presentes a Princesa Regente e seu esposo, como também o Ministro da Justiça, o Ministro da Fazenda e o da Marinha. O paraninfo dos novos doutores foi o Doutor Candido Barata Ribeiro. O Barão de Cotegipe, então Ministro do Império, foi quem conferiu o grau aos formandos. Vinham estes das mais diferentes regiões do Brasil. Naquela manhã, porém, dentre os três egressos do Maranhão, estava Raymundo Nina Rodrigues[1]. No Rio de Janeiro, todavia, ele apenas completou o curso de medicina, no qual fora aprovado em 1882[2] na Bahia.
Corriam tempos de profundas mudanças no campo político e no social. Basta citar, para tanto, a assinatura da Lei Áurea em maio daquele mesmo ano e, no seguinte, o advento da República. Já era palpável o ocaso do Império. Nina, com 26 anos, cumpriria, porém, um destino que comporta bem o adjetivo de histórico. Porque ele viria a se destacar como figura proeminente no cenário científico do Brasil e da Europa, sobressaindo-se não apenas como médico, mas ainda como antropólogo, etnólogo, higienista, epidemiologista, professor, como fundador mesmo de uma renomada escola científica, segundo Artur Ramos (2006, p. 9)[3], chamada Escola Baiana. Aliás, dias antes, a Gazeta do Notícias do Rio de Janeiro[4] já registrava sua aprovação com distinção em clínica médica e plena na cirúrgica. Pouco mais de um ano depois de formado, veremos Nina nomeado como adjunto da 2ª cadeira de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Bahia[5].



[1] A ÉPOCA, Rio de Janeiro, 20/01/1888, nº 17, ano II.
[2] GAZETA DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 1º/12/1882.
[3] RAMOS, Artur. Prefácio. In: RODRIGUES, Nina. As coletividades anormais. Brasília: Senado Federal, 2006.
[4] GAZETA DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 16.12.1887, nº avulso, ano XIII.
[5] GAZETA DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 07/09/1889, nº avulso, ano XV.

Imagem: Nina Rodrigues. Fonte: Creative Commons.


Projeto de Pesquisa - A Psicologia Coletiva como resposta ao problema da criminalidade das multidões: uma perspectiva histórica


“Considerando isoladamente, os individuos são calmos e inoffensivos, agglomerados, a menor fagulha os inflamma e os arrasta aos actos mais sinistros” ― disse Evaristo de Moraes (1904, p. 185), em artigo intitulado “As multidões criminaes” e publicado em “Os Annaes”, semanário voltado à literatura, arte, ciência e indústria. A frase, que encerra o artigo, é dramática.  Ela reflete uma preocupação da época, além de consistir em exemplo de popularização de um pensamento científico que a imprensa, por sua vez, não se furtava de promover, posicionando-se, inclusive. Era a Psicologia Coletiva que surgia sob esta denominação que toma ao final do século XIX. Não obstante inerente a saberes psicológicos, a Psicologia Coletiva foi suscitada no mundo a partir de uma perspectiva jurídica e tendo em vista responder a questões inquietantes, também do ponto de vista do Direito Penal. Porque era preciso encontrar meios de punir um tipo de criminalidade que se incrementava a partir da segunda metade do século XIX. Eram os crimes cometidos pelas multidões, crimes cuja autoria não era facilmente identificada ou mesmo identificável muitas vezes[1]. Crimes considerados terríveis, não raro brutais, a desafiar o mecanismo penal, que quedava inerte, paralisado, impotente para agir, uma vez que o Estado Juiz só poderia imputar pena a crimes cuja autoria fosse certa, conhecida, identificada em ação — ou ações, fosse o caso — individual e voluntária, voltada à produção de um resultado-crime, em regra, doloso, ou seja, livremente desejado. Isso exigia fossem desvendados os mecanismos ensejadores do aparecimento desse fenômeno social, que reclamava uma psicologia que lhe fosse específica, uma psicologia das multidões que o jurista italiano Enrico Ferri chamou de Psicologia Coletiva.



[1] Bem a propósito, Gabriel Tarde (1895, p.1): “Até os nossos dias, ao longo de toda a duração dessa crise de individualismo que, desde o último século, tem causado estragos em toda parte, em política e em economia política, como em moral e em direito, mesmo em religião, o delito passava por ser aquilo que havia de mais essencialmente individual no mundo; e, entre os criminalistas, a noção do delito indiviso, por assim dizer, perdera-se, como também, entre os próprios teólogos, a ideia do pecado coletivo, senão absolutamente aquela do pecado hereditário. Quando os atentados de conspiradores, quando as façanhas de uma súcia de bandidos forçaram a reconhecer a existência de crimes cometidos coletivamente, apressou-se em transformar esta nebulosa criminal em delitos individuais distintos, dos quais essa nebulosa era apenas a soma. Mas, no presente, a reação sociológica ou socialista contra essa grande ilusão egocêntrica deve, naturalmente, dirigir a atenção para o lado social das ações que o indivíduo se atribui erroneamente”. 

Imagem: Enrico Ferri. Fonte: Creative Commons.


domingo, 10 de junho de 2018

A Multidão


"Pela região inteira, nas estradas e sendas da planície rasa, era, desde o crepúsculo, uma longa fila, um deslizar de sombras silenciosas, escoando isoladas ou formando grupos, rumo aos bosques violáceos da floresta. Cada aldeia se esvaziava, as mulheres e mesmo as crianças saiam a caminhar sob o céu claro. Agora, as estradas ficavam escuras, não se distinguia mais essa multidão em marcha, que deslizava rumo a um objetivo, sentia-se sua presença apenas, comprimida, confusa, carregada por uma única alma. Entre as sebes, entre os arbustos, havia apenas um leve farfalhar, um vago rumor de vozes da noite"
Émile Zola
Imagem: Émile Zola. Fonte: Wikimedia Commons