domingo, 29 de dezembro de 2019

História Antiga


História Antiga
História Antiga
Maristela Bleggi Tomasini, Priscila Crsitina N. Lopez de Scoville, Raul Róis Schefer Cardoso (Orgs.)
Ano: 2019
Formato: Impresso 21 x 29 cm
ISBN:
Sinopse: Seja bem-vindo à disciplina de História Antiga. Neste livro, exploraremos a historiografia contemporânea a respeito da antiguidade ocidental e oriental, passando por sociedades como a egípcia, a grega e a romana. Ao longo de nossos estudos, trabalharemos para compreender a formação das primeiras civilizações e suas religiões, políticas, economias e culturas, além das relações sociais desses povos.

Com a conclusão dessa etapa da sua caminhada no curso de História, você estará familiarizado com a formação e a queda desses povos, bem como suas relações e legados para a civilização. Esperamos que seja um período de muitos aprendizados. Bons estudos!

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

REVISTA VIDA BRASIL

Imaginação

sábado, 14 de dezembro de 2019

Quando caminhávamos juntos não era exatamente pelas ruas que seguíamos. Porque o entorno, em que pese fosse real, enfeitava-se magicamente à nossa passagem. Nunca era exatamente uma rua ou outra paisagem qualquer em si, porque esses lugares todos se carregavam de algum tipo de emoção só comparável àquela de um sonho realizado.

Imaginação




“Je t'inventerai
Des mots insensés
Que tu comprendras”
         Jacques Brel
  



Confesso que não posso dizer ―, nem teria mesmo como afirmar ―, que minhas lembranças sejam todas reais, mas pouco importa que não tenham elas qualquer conexão com o mundo concreto, se é que ele existe.
Quando mergulho em minhas lembranças, penso que o real é para os conformistas e para os conformados. Os primeiros já nascem tendendo sempre aos ismos, por meio dos quais exercem uma espécie de poder totalizador, generalizando suas decepções e fracassos. Os segundos, ainda que a contragosto, acabam por ceder. Conformam-se com o que o mundo lhes entrega já embrulhado e etiquetado. Simplesmente não discutem. Nem ao menos abrem o pacote para conferir o conteúdo.
Penso que não é imperativo conformar-se.
Pode-se criar um real particularmente nosso apenas com a imaginação.

Por isso eu sei, sim, que quando caminhávamos juntos, as paisagens cediam aos caprichos de nossas vontades. Quem poderia negar que fôramos nós os felizes proprietários daquele castelo, palacete que um dia tivera suas portas esculpidas em madeira maciça enfeitadas com maçanetas de porcelana francesa, com tantas sacadas abertas à cidade que se descortinava inteira diante delas, com mármores e enormes banheiras. E havia ainda o deslumbrante lustre de cristal, imponente, que ficava invisível a olhares vulgares, mas que iluminava as nossas refeições. O serviço de copa era quase perfeito. E o castelo, tão aristocrático quanto decadente, foi, afinal, uma de nossas mais saudosas residências. De bom, que assustava a maioria dos curiosos que por ali passassem, como se secretamente aquela velha construção soubesse o quanto é importante disfarçar o próprio contentamento de se estar aqui ou ali.

E quando íamos visitar cemitérios, ― que tais lugares muito têm de atraentes ―, encantava-nos mais que o luxo dos túmulos a agilidade dos gatos que passeavam por ali, observando-nos com a discreta curiosidade tão peculiar aos felinos. Passeávamos por entre os túmulos e nos entregávamos a especulações acerca dos nomes, às vezes conhecidos, e das saudades tão reafirmadas nos dizeres sempre mais ou menos os mesmos.
E havia os parques. Pipocas. Pavões. Gatos. Pandorgas. Até dragões que, tímidos, talvez se escondessem, temerosos, à nossa passagem. Havia sabores deliciosos e exóticos também, singularmente colhidos em recantos inesperados, como a Yakissoba saboreada nos confins da Avenida São João, no bar suspeito, por debaixo do Minhocão que escondia também toda a suntuosidade do antiquário da simpática Dona Ciça, lugar mágico e repleto de tesouros.

Nossos caminhos não deixaram trilhas.
De nós não há registros nas paisagens que nos serviram de cenários.
Como se deixássemos tudo igual como era antes no depois de nós. Talvez as paisagens só se revelem realmente ao olhar da imaginação. Não estaria nela o ingrediente fundamental que facultasse a plenitude do percebido? Não sei. Isso é apenas especulação, e minha racionalidade cética se ressente em ler o que acabo de escrever. Contudo, no fundo, por mais que me conforme ao real, quando não há outro remédio, persiste em mim aquela saudável dúvida quanto à absoluta certeza de que não há bruxas, em que pese a induvidosa realidade de sua existência.
A arte só é arte quando é paradoxal.
E uma ideia maravilhosamente anárquica me surge quando me dou conta dessa deliciosa habilidade que consiste em poder crer, mesmo duvidando da crença, possuindo integralmente o que não se possui, apesar do real.


Autor: Maristela Bleggi Tomasini

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Revista Vida Brasil

Modo viagem

domingo, 15 de setembro de 2019

Recentemente voltei de uma viagem com amigas.Além de aproveitar cada momento, o assunto principal foi saber se teríamos algo a dizer sobre viagens, quando já estamos, todas três, naquela idade na qual, delicadamente, se referem a nós como meninas. Foi mesmo divertido, quando o colaborador da companhia aérea, — um bonitão, aliás —, olhou para nós e, depois de conferir os check-ins, deu um sorriso irresistível e saiu com essa:

Modo viagem

  — “Então, as meninas vão juntas passear pelo Nordeste? ” — “Vamos sim” —, respondemos quase em coro, notando o quanto pode ser divertido o fato de sermos percebidas como senhorinhas, eufemisticamente, meninas.

A idade sugere aos outros que nos vejam a partir de uma suposta fragilidade, de sorte que passam a cuidar de nós. É claro que, tempos atrás, quiséramos antes que o colaborador bonitão nos sorrisse por outros motivos, mas o que importa é que ele sorriu. A velha história do é o que temos. Lembrei-me então de quando Rogério me confessou que estava na fila comum de embarque, quando viu aproximar-se dele uma linda jovem que o olhava fixamente e sorria. Ela, sem pedir licença, tomou-o pelo braço e, persuasiva, disse-lhe: — O senhor vem comigo aqui —, enquanto o conduzia para a fila preferencial.
 
Pois é. Viajar. Quem sabe até eu — que viajo pouco e que nem mesmo gosto de sair de casa —, não tenha alguma coisa a dizer sobre isso. O mundo está cheio de gente que simplesmente adora viajar, que mal chega em casa e já quer sair outra vez. Gente que vive em função de estar fora e que faz o mundo inteiro, — mais o Facebook e o Instagram —, saber onde estão, com quem estão e fazendo quê. Fora aqueles que possuem blogs de viagem, que dão dicas, palpites, opiniões, sugerem destinos e que sabem tudo sobre viajar.

Não é o meu caso. Imagina! Eu? Não. No entanto, pensando bem, talvez justamente por eu ser alguém bem ao estilo não passageira, o que tenha a dizer sobre viajar acabe por ser útil a outras criaturas tão caseiras e rotineiras quanto eu.

Inspirada nessa possível utilidade do que teria a dizer sobre viagens uma não viajante, sentei-me aqui para me divertir um pouco e compartilhar com leitores o que chamo de o meu modo viagem. Entro nele sempre que é preciso deixar para trás minha zona de conforto: meu doce lar, que adoro habitar, repleto de livros, de quadros e de outras velharias além de mim.

Com o tempo, acabei adquirindo manias. Não como qualquer coisa nem durmo em qualquer lugar. Tenho uma série de hábitos que tornam minha pacata vidinha um tanto quanto complicada, ao menos quando penso em sair de uma casa repleta de objetos pessoais. Sem hora para muita coisa, dormindo quando tenho sono, comendo apenas o que gosto e só quando sinto fome, não sou exatamente uma pessoa disciplinada. Some-se a isso certa irreverência, não muita simpatia frente a novidades, e atividades profissionais que exigem de mim muita concentração e solidão. E como gosto de morar só e de ficar só a maior parte do tempo, viajar não é, para mim, uma atividade atraente.

Mas, não obstante todos os meus não poucos defeitos, às vezes eu saio da toca. Quando, por exemplo, viajo para namorar Rogério presencialmente. Também quando viajo por conta de compromissos profissionais. E ainda quando viajo com amigas, absolutamente maravilhosas, que me convocam. Disse convocam, porque nem se trata de convite. Tipo assim, do dia tal ao dia tal, é com a gente. Vais para tal lugar. Então eu vou, é claro. Hora de me desentocar. Desligar a versão cotidiana e passar para o que chamo de o meu modo viagem, alguma coisa que posso sistematizar em quatro mandamentos que compartilho a seguir com os meus leitores.

No modo viagem, meu primeiro mandamento é comer qualquer coisa e dormir em qualquer lugar. Cheia de manias com relação à alimentação, para começar, detesto peixes em geral. Odeio comidas “da moda”. É que eu adoro os pratos que eu mesma preparo para mim e sou extremamente crítica com o que chamo de as porcarias franqueadas cada vez mais onipresentes. Sou chata com comida. Só gosto mesmo é da minha. De modo geral, o que não faz parte do meu cardápio não me interessa. Sou fã da deliciosa comida italiana que eu mesma preparo. Viajando, porém, eu não apenas sou capaz de comer qualquer coisa, mas ainda me atrai provar tudo o que não faz parte do meu cardápio. E até gosto! Nada como tomar água de coco, no coco, olhando para o mar. Os sabores confundem-se com os cenários e ganham até colorido. Não se trata de julgar, mas de experimentar. Além disso, também posso modular meu sono. Consigo relaxar nas longas esperas que eventualmente deva enfrentar e mesmo dormir em outras camas não tão confortáveis quanto a minha.

Meu segundo mandamento ordena só levar comigo itens que representem conforto e simplicidade.  Preparo-me para deixar de lado todas as coisas que fazem parte do meu dia a dia. Tipo usar três toalhas de banho e um roupão, fora todos os shampoos e cremes, dezenas de potinhos que estão em toda parte pelo meu banheiro e pelo meu quarto. Se fosse levar comigo todas as coisas que uso diariamente, precisaria viajar com um séquito de carregadores, bem como naqueles filmes antigos, de aventuras pela África, com elefantes em caravana, carregados de baús de viagem das heroínas. Mas como não é esse o caso, no meu modo viagem, tudo o que preciso cabe em uma bolsa e uma sacola, ou, em vez desta última, em uma mala pequena de rodinhas que, depois de feita, pesa no máximo, sete quilos. Roupas? Ah! Nem pensar em levar comigo tudo aquilo que abarrota minhas gavetas e meus guarda-roupas, sem falar que, como boa centopeia, jamais confessaria o número exato de pares de sapatos que possuo, sem contar as bolsas e os cintos que combinam com eles. Tenho receio de chocar meus pobres leitores. No entanto, acreditem, no modo viagem, as peças das quais preciso são pouquíssimas. Em uma bolsa de bom tamanho mais uma sacola média cabe tudo o que preciso. Na bolsa, itens que me permitem sobreviver até mesmo sem a sacola de viagem. Celular, carregador, documentos e dinheiro reunidos em uma bolsa menor que pode ser levada junto ao corpo.


No nécessaire, só o que for absolutamente indispensável para estar limpa e saudável: higiene pessoal e remédios. Roupas? Só o que for confortável, que não limite movimentos, que não aperte e que não amasse. Roupas com as quais eu possa passar horas sentada sem parecer amarrotada. Optar por itens que apresentam simplicidade e conforto não implica em usar qualquer coisa de qualquer jeito. As melhores roupas são aquelas que têm alguma qualidade e que nos caiam bem, evitando o frio e o calor excessivos. Todas as peças devem combinar entre si. Por incrível que pareça, nisso, eu acho que acerto mais do que a maioria. Minha bagagem é leve, reduzida, mas composta de itens bem escolhidos. Tenho ali tudo de que preciso, incluindo uma câmera fotográfica. Fico assustada só de ver o tamanho da bagagem de pessoas que viajam até mesmo por poucos dias. Pior que não é incomum constatar não serem poucas as mulheres que viajam maquiadas como quem vai a uma festa, de saltos muito altos, às vezes até com roupas reduzidas, que expõem o corpo ao frio do ar condicionado. Não deve ser nada bom sentir dor nos pés e frio, mesmo em viagens de poucas horas. Daí eu sempre optar pelo conforto. Nessas horas, é mais elegante usar tênis, jeans de bom corte, camisa, blazer e um belo lenço. Óculos escuros e, no máximo, batom, permitem até dormir sem acordar com olhos borrados, como quem despertasse em plena manhã de uma quarta-feira de cinzas. Viajar é menos.

O terceiro mandamento é encarar tudo com bom humor e disponibilidade. Particularmente, não sou simpática a nada que altere os meus sagrados hábitos e não costumo estar disponível. Odeio atender telefone. Não gosto de conversar. Odeio gente que fala de gente, que comenta gratuitamente o tempo, se chove ou se não chove, de frios e de calores. Gente que aluga os outros para dar, sem que se lhe peça, a sua opinião sobre isso ou aquilo. Nem precisa. São óbvios. Antes mesmo que abram a boca já se sabe o que dirão. Por conta disso, tenho pouquíssimos amigos. Só gente legal, contudo, todos meio excêntricos, com manias, e mesmo malucos estilo beleza. Nenhum deles muito normal, porque, afinal, se fossem pessoas normais não iam querer me ter como amiga. Passo a maior parte do tempo concentrada em conteúdos de ordem intelectual, reconhecidamente chatos. Assumidamente sou uma pessoa pedante: eu até sei a diferença entre próclise, mesóclise e ênclise. Além disso, sou pouco sociável: o mundo se divide entre os meus poucos e muito queridos amigos e os outros que, em sua maior parte, me irritam ou me entediam, quando não me exasperam.  No modo viagem, contudo, dificilmente me incomodo com os outros. Diria mesmo que, bem ao contrário, a maioria me agrada e me surpreende positivamente, mesmo nas diferenças que podem até me divertir e enternecer. É fácil sorrir para quem não veremos outra vez.

Finalmente o último mandamento que consiste em resumir-se. Não causar, reclamar o menos possível, estar preparada para atrasos, para surpresas, saber esperar, saber aceitar, saber ouvir e entender o que esperam da gente, de preferência a impor nossas regras e hábitos em territórios onde estamos de passagem, como passageiros mesmo. Resumir-se frente a novas perspectivas de mundo e de visão nas quais não somos mais os protagonistas. Nesse contexto, os outros são todos amigos, até porque, ainda que sejam uns chatos, não vamos precisar aturá-los além do necessário. E, sendo assim, sua chatice é perfeitamente contornável. Riso pronto: sempre um bom dia, tarde ou noite. Sempre com licença, por favor e muito obrigada. Ceder lugar, ceder espaço, deixar acontecer e olhar tudo como novidade. Tolerância para com todos.

Eis, enfim, o que eu teria a dizer a quem, como eu, não gosta de sair de casa e é pouco sociável. Não é muita coisa, mas tem dado certo comigo. E agora, após oito dias afastada dos queridos ácaros da minha biblioteca, cá estou eu, de volta para casa, cercada da poeira dos séculos, retornada aos meus velhos hábitos, até que alguma coisa aconteça e eu tenha, outra vez, de deixar para trás o meu pequeno e solitário reino, ligar o modo viagem e passar a ser a passageira provisória, a passante imprevisível.
 


Autor: Maristela Bleggi Tomasini

domingo, 11 de agosto de 2019

Cultura Material


Ressaltando a importância da materialidade dos artefatos do passado, Bezerra de Meneses (1983) define três posturas comumente adotadas pelos historiadores dedicados à Antiguidade. 
A primeira se traduziria pela marginalização da cultura material, que seria ignorada e como que abstraída do universo físico. Nem mesmo Jean-Pierre Vernant, — historiador francês da Grécia Antiga, que aprofundou, entre outros temas, a mitologia — teria fugido a isso, ao desconsiderar matrizes visuais[1], fundamentais no universo das imagens, porque permitiriam o enriquecimento da análise a que se quer proceder, observa Meneses (1983, p. 104), o que pode ser explicitado in verbis:

Assim, no seu estudo do mito (aliás percuciente e, sob muitos aspectos, inovador e de muita densidade), ele utiliza apenas matéria prima literariamente processada; nunca levou em consideração, por exemplo, a possibilidade de matrizes visuais para as narrações míticas . Mesmo num estudo sobre, precisamente, o "nascimento das imagens", o autor reduz a vastíssima problemática das "phantasiai", aparições, aparências, "eidola", imitação e outras categorias, às imagens mentais, com prejuízo para uma análise ainda mais rica (MENESES, 1983, p. 104).

A segunda postura, que considera a mais frequente, consistiria na instrumentalização da informação de matriz arqueológica, vista como complementar à documentação textual. 
A terceira postura seria pautada no uso didático das informações inerentes ao universo material, assinando-lhe o papel de ilustrar o discurso do historiador. Esta última variante, todavia, comportaria resultados positivos sempre que fossem evidenciadas relações de equivalência entre a produção literária e a produção artística. Na cultura material reside um potencial imenso de informações não verbais, mas, nem por isso, menos eloquentes no que concerne aos padrões que podem revelar, porque “a cultura material constitui um código próprio, a ser descriptado (sic) segundo sua natureza e não por redução aos códigos verbais” (1983, p. 117), de sorte que, apesar dos desafios e das perguntas que permanecerão sempre sem respostas, deve-se ao menos procurar correlacionar ao máximo aspectos pertinentes a uma mesma cultura, que é simultaneamente material e não material, não se podendo excluir nenhum desses dois aspectos sem  prejuízo de uma melhor compreensão.

ENTREVISTA com Jean-Pierre Vernant, O Estado de São Paulo – Caderno 2 – 05 ago 2001.
MENESES, U. T. B. de. A Cultura Material no estudo das civilizações antigas. Revista de História (115): 103-117, 1983. 
Imagem: Hades abducting Persephone, wall painting in the small royal tomb at Verghina (Vergina), Macedonia. Fonte: Wikimedia Commons



[1] Jean-Pierre Vernant, a propósito, além de historiador, é referido como antropólogo.  Por ocasião da Entrevista (2001) que concedeu ao jornal O Estado de São Paulo, foi apresentado aos leitores como “o maior helenista vivo”. Nascido em 1914, Vernant é militante político e foi membro ativo da Resistência francesa. Vários de seus livros foram traduzidos para o português. Questionado pelo jornal sobre se concordava com a fórmula comumente sintetizada na expressão “o milagre grego”, Vernant manifesta sua absoluta discordância dessa ideia, que considera a Grécia como berço da razão, do pensar científico e mesmo da filosofia, bem como de outros grandes valores universais. Para Vernant, houve uma série de fenômenos complexos, de natureza cultural e política, ocorridos na passagem da oralidade à escrita, ou seja, da palavra profética, como ainda poética, de Homero e Hesíodo até o discurso lógico de Platão. Simultaneamente a essa passagem, ocorreram fenômenos sociais aí implicados: sucessivas passagens do poder da realeza e dos grupos aristocráticos até a organização da pólis, com a emergência da cidade e da cidadania. O triunfo do logos, na era clássica, não é considerado por Vernant como favorável aos gregos. Sua civilização não seria miraculosa, e os gregos teriam se mantido distantes da realidade física grega, longe da experimentação e da aplicação do cálculo ao real concreto.
Com isso fica claro o ponto de discordância que Meneses enfatiza em seu artigo, quando afirma a abstração do universo físico na obra de Vernant, que teria desconsiderado a importância das matrizes visuais nas narrativas míticas, reduzindo a problemática do nascimento das imagens em prejuízo de uma análise mais rica. Meneses é bastante categórico nesse sentido, quando observa que autores de máxima importância, dentre os quais inclui Jean-Pierre Vernant “por vezes tanto ignoram a realidade física, que descarnam os gregos antigos, quase os transformando em zumbis, que se alimentam de puras estruturas mentais, as quais, por sua vez, dão ser à realidade social, sempre algo estática” (MENESES, 1983, p. 104).


quinta-feira, 25 de julho de 2019

O Rapto das Sabinas

Dentre muitas versões clássicas que ilustram o episódio desse lendário rapto, existe uma satírica, de John Leech (1817-1864), publicada em 1850 da história cômica de Roma de Gilbert Abbott À Beckett.
A ilustração traz por legenda “os romanos saindo com as mulheres sabinas” (À BECKETT, 1850, p. 10).
Fonte: Wikimedia Commons.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Referências em História Antiga



À BECKETT, Gilbert Abbott (1811-1856). The comic history of Rome. Illustrated by John Leech. London: Bradbury, Evans, 1850.

AUGÉ, Paul. Larousse du XXe Siècle, v. 3. Paris: Librairie Larousse, 1930.

AUGÉ, Paul. Rome, Larousse du XXe Siècle, v. 6. Paris: Librairie Larousse, 1933.

BECKER, Idel. Pequena história da civilização ocidental. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975.

BUSTAMANTE, Regina. A festa das Lemuria: os mortos e a religiosidade na Roma Antiga. XXVI Simpósio Nacional da ANPUH. Org: FERREIRA, Marieta de Moraes, ISBN: 978-85-98711-08-9, Edição nº.1, SP, 2011

CARVALHO, Margarida Maria de; FUNARI, Pedro Paulo A.. Os avanços da História Antiga no Brasil: algumas ponderações. História,  Franca ,  v. 26, n. 1, p. 14-19,    2007 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742007000100002&lng=en&nrm=iso>. access on  22  July  2019.  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-90742007000100002.

COMMELIN, P.. Nova Mythologia Grega e Romana. Trad. Thomaz Lopes. Rio de Janeiro: Garnier, 19__.

DEFRASNE, Jean. Récits tirés de l’histoire de Rome. Paris: Fernand Nathan, Éditeur, 1954.

FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2002.

GAUTHIER-DESCHAMPS. Leçons complètes d'histoire histoire ancienne, histoire de france, histoire générale. Paris: Hachette, 1926.

GOMES, António Ferreira – Saudação. Lusitania Sacra. Lisboa. ISSN 0076-1508. 1 (1956) 7-15. Disponível em: < https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/4965 >. Acesso em: 12/07/2019.

 GROTE, George. Histoire de la Grèce depuis les temps les plus reculès jusq’a la fin de la génération contemporaine d’Alexandre le Grand, v. I. Trad. A.-L. Sadous. Paris: A. Lacroix, Verboeckhoven et Cia, 1864

GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto: 2013.

LE GOFF. História e Memória. São Paulo: Unicamp, 2003.

LUDWIG, Emil. Schliemann história de um buscador de ouro. Trad. E. Marques Guimarâes. Porto Alegre: Editora da Livraria do Globro, 1940.

MARCHI, E. C. S. V. Aspectos de direito público romano: as Constituições políticas da realeza e da República. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 100, p. 3-19, 1 jan. 2005.

MENESES, U. T. B. de. A Cultura Material no estudo das civilizações antigas. Revista de História (115): 103-117, 1983.

MONTANELLI, Indro. História de Roma. Trad. Luiz de Moura Barbosa. São Paulo: Ibrasa, 1961.

MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965.

PROST, Antoine. Douze leçons de l’histoire. Paris: Seuil, 1996.

RUCH, Gastão. História Geral da Civilização, I parte, Oriente, Grécia, Roma. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia, Editores, 1926.

SANTOS, Dominique. Apresentação. Revista de Teoria da História, Ano 7, Número 13, Abril/2015 Universidade Federal de Goiás ISSN: 2175-5892, 7-16, 7-16. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/teoria/issue/view/1580>. Acesso em 12/07/2019.

VIEIRA, Antônio. Sermões e Lugares Selectos. Bosquejos histórico-literários, selecção, notas e índices remissivos, por Mário Gonçalves Viana. Porto: Ed. Educação Nacional, 1939, p. 237.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Cousas a tôa

Barreto, T. (1881, dezembro 1°). Cousas a tôa. Gazeta do Sobral. Sobral, CE, a. I, n. 25, p. 2

domingo, 5 de maio de 2019

Bergson no índex

Fonte:  Archives d'anthropologie criminelle, de médecine légale et de psychologie normale et pathologique, 1914, p. 559.

Bom lembrar

“Os historiadores, em geral, fazem história sem levar em conta esses grandes furacões de imitação fervorosa que, de tempos em tempos, se erguem inevitavelmente e rompem ou deformam todos os costumes à sua passagem. Seria o mesmo que tentar fazer meteorologia sem falar dos ventos.”
Gabriel Tarde

A propósito


Logo após a morte de Gabriel Tarde, em 13 de maio de 1904, Henry de Varigny (1904, julho 20, p. 3) publica no Le Temps artigo intitulado Les bases de la Sociologie d’aprés Tarde, no qual estimava não ser tarde demais para falar daquele que qualifica como engenhoso filósofo e homem galante, o “sábio gascão que se servia de sua palavra e de sua pluma . . . para prestar serviço à psicologia e à sociologia simultaneamente” (id., ibid.). Ele teria feito ver que a psicologia coletiva, na ordem sociológica, inseria suas bases na psicologia, eliminando assim a noção de entidades sociológicas que o articulista tem por místicas, fazendo menção, a propósito, à participação de Tarde na Conferénse sur l’inter-psychologie, 1903, ocasião em chamara a atenção de todos sobre “a necessidade de estudar a interpsicologia, a ação psicológica de um homem sobre outro homem” Id., ibid.).

Referência: Varigny, H. (1904, julho 20). Les bases de la Sociologie d’aprés Tarde. Le Temps, ano 44, n. 15.738, Paris.

Observação: A propósito, data venia às subjetividades, eu, particularmente, gosto da ideia de encontrar em Gabriel Tarde um homem galante. 

sexta-feira, 19 de abril de 2019

A Fascinação do crime

Sob o título provocante de La fascination du crime: la jeunesse est pourri, a edição dominical do extremista e provocador Le Matin publica uma entrevista realizada com Scipio Sighele (1908, maio 5), então de passagem por Paris para o lançamento de sua Littérature et criminalitté. O entrevistado começa por expor preliminarmente que ainda havia quem se espantasse com o fascínio que o público dedicava às narrativas criminais, delas buscando detalhes nos jornais com mórbida curiosidade dia a dia crescente. “Todavia — adverte o entrevistado —, um observador calmo e sincero da psicologia coletiva não partilha dessa opinião, que se pretende moral, mas que é apenas ingênua” (id., ibid.). Para Sighele, seria já conhecida a atração que a alma humana experimentava quando diante do que chamou de o espetáculo do mal e por tudo aquilo que havia nisso de terrível e de perverso, muito mais do que se mostrava atraída pelo que havia de simples e honesto no mundo, confirmando a lenda bíblica segundo a qual os frutos da árvore do mal seriam bem mais saborosos que aqueles da árvore do bem. E mesmo a história pouco se deteria sobre as pessoas obscuramente calmas, tranquilas, admiradas em silêncio talvez, mas não sem “esta leve tinta de ironia com a qual se observa no mundo aquilo que é simples, normal e são” (id., ibid.). Porque — explica —, a monotonia dessas figuras prosaicas não provocava nossa imaginação, em busca de figuras mais ousadas, mais singulares, audazes, que provocassem “por seu renome, a inveja; ou, por sua audácia, o frisson do medo; ou, por sua perversidade, o espasmo do horror” (id., ibid.). Não se deveria, contudo, deplorar esse fenômeno, mas antes estudá-lo, — recomenda —, buscando aí uma razão nem mórbida nem vulgar para esse prestígio do mal, para esse apaixonado interesse, ávido de detalhes, que despertam as narrativas criminais. Sighele aí encontra um sentimento inconfessado que se teria ao estudar os crimes, porque nestes estudaríamos a nós mesmos, tudo porque os crimes iluminariam a alma de cada época, refletindo a vida e os costumes vigentes, como “símbolo patológico de tudo aquilo que hurra no fundo de nosso coração, de tudo aquilo que freme nas células de nosso cérebro” (id., ibid.). Bastaria, para convencer-se, comparar a criminalidade antiga com a moderna para encontrar, nos culpados de cada tempo, as influências de cada época manifestas na própria infâmia de seus crimes. Assim, — explica —, as civilizações primitivas baseadas na força comportavam crimes violentos; as que se desenvolviam na base da astúcia estimulavam os embustes; as que se erguiam sobre o domínio econômico, sobre o poder do dinheiro, desenvolveriam uma criminalidade antes cerebral que muscular, procedendo “por meios insidiosos e obscuros: o roubo, a fraude e a falsidade” (id., ibid). De modo que não seriam apenas os meios materiais que mudariam com a criminalidade no tempo: mudaria também sua orientação moral. As tintas religiosas que coloriam os delitos medievais cometidos sob o terror inspirado pelo além, revelavam tendências criminais de desequilibrados e loucos. Disso, porém, não se deveria concluir, — “como ousaria pretender algum míope reacionário” (id. ibid.) —, pela responsabilidade da teologia ou da Igreja. Antes seria mister constatar que “por um fenômeno natural e universal de mimetismo, o crime conforma-se às diferentes épocas e às diferentes atitudes do pensamento humano e sofre a influência das condições do meio histórico” (id., ibid.). Feitas tais observações, Sighele se propôs a responder à pergunta do Le Matin, que consistia em saber qual era, naqueles dias, a característica mais evidente da criminalidade. Ele respondeu que vinha a ser, para ele, não apenas na França como também em todo o mundo tido por civilizado, o enorme e inacreditável aumento da delinquência de menores, verdadeiro exército criminal composto de crianças com menos de dezoito ou de vinte anos que aumentava dia a dia naquele início de século. Afirmou: “É a juventude que está doente! É a juventude que apodrece! É essa doença que se apodera de nossas crianças e que não se manifesta apenas no crime, mas também no suicídio” (id., ibid). A última colocação se explicaria pelo incremento do suicídio infantil, quando aos quinze, aos dez, e mesmo aos seis anos essa prática crescente denunciava o indelével sofrimento daquelas almas levadas a uma ação fatal. Sighele coloca não lhe ser possível, em um artigo de jornal, examinar detidamente as causas desse fenômeno. A mais importante delas, contudo, seria o fato de as crianças entrarem muito cedo na vida, vivendo como adultos, desde logo experimentando o que chamou de contragolpes do destino, experimentando preocupações de deveriam ignorar. Tudo enfim —, diz —, lhe parecia abreviar-se no mundo físico e no mundo moral, de sorte que a própria infância abreviava-se também debaixo da que seria a nossa lei soberana: a pressa. Abolir o máximo possível e no que possível fosse “esses antigos obstáculos que se chamam tempo e espaço, eis o objetivo rumo ao qual corremos vertiginosamente, eis o ideal do qual nos orgulhamos” (id., ibid). E completa dizendo que estaríamos “a caminho de abolir ou, no mínimo, castrar a infância” (id., ibid). E assim como os adultos estariam ficando velhos antes do tempo, também as crianças estariam se tornando homens cedo demais: impulsionadas por sensações superiores à sua idade, “faziam-se homens pelos desejos e pelas paixões, não pela força e pela constância” (id., ibid). Tal a antinomia que, para Sighele, afetava a alma infantil, predispondo-a ao suicídio e ao crime em um século, — afirma — onde não se teria mais tempo de ser jovem.

ReferênciaSighele, S. (1908, maio 5). La fascination du crime: la jeunesse est pourri . Le Matin : derniers télégrammes de la nuit, ano 25, n. 8860, Paris, capa.

Imagem: BNF

domingo, 7 de abril de 2019

Morte de Scipio Sighele


Na sessão reservada às notícias internacionais, ao subtítulo de Italie, o conservador Journal des débats politiques et littéraires dedica espaço à Mort de M. Scipio Sighele (1913, outubro 24), apresentado como sociólogo e professor que morrera em Florença, aos 45 anos. Nascido no Trentino, ele passara sua juventude em Milão, onde seu pai desempenhava a função de Procurador Geral do Rei. Sua primeira obra fora La foule criminelle, sob o patrocínio de Cesare Lombroso, obra que, junto a alguns ensaios publicados no Mondo criminale italiano firmaram-lhe a reputação de psicólogo e de escritor. Seguiram-se ainda, entre outras, La copia criminalle, L’Inteligence de la foule, La complicité. Sighele foi um fervoroso adepto do nacionalismo, movimento que surge na Itália e que cresce com a guerra na África. Hostil à Áustria, chegou a ser proibido de ingressar no território daquele país. Em Florença, para onde fora por razões de saúde, a morte imprevista o surpreende. A notícia é finalizada com uma carta de Sighele, escrita de Turim, que teria chegado ao jornal no dia 22 de outubro, — a morte de Sighele é dada como ocorrida em 21 de junho de 1913 —, sob o título de “O irredentismo no Trentino”. Para uma melhor compreensão do homem que foi Scipio Sighele no contexto de uma criminologia nascente, sem falar em sua relevante, senão mesmo a mais fundamental, contribuição para com o nascimento da psicologia coletiva, a carta acima mencionada é traduzida na íntegra, tal como publicada no Journal des débats politiques et littéraires.

Ainda que estejam quase completamente absorvidos pelas eleições gerais, os jornais italianos de todos os partidos não negligenciam em registrar o dia a dia dos fatos que se desenrolam no Trentino e as perseguições das quais os elementos italianos são objeto. Esses fatos confirmam, aliás, os resultados e as previsões das pesquisas realizadas no local pelos enviados especiais de dois grandes jornais sempre desejosos de ver um bom acordo reinar entre as duas nações aliadas, o Corrieri della Sera e o Stampa, pesquisas que demonstram claramente que se tratava, da parte da Áustria, da realização de todo um projeto de desnacionalização. Os exemplares desses jornais foram sucessivamente sequestrados em território austríaco, da mesma forma que os jornais italianos que continham artigos que as autoridades do Tirol julgassem de natureza a excitar a opinião pública.
Enquanto quase não fala mais a respeito dos famosos decretos de Holenhole que permanecem intactos como se deveria esperar, notícias de Trento anunciam que reuniões populares tiveram lugar ontem e anteontem em toda a região do Trentino a propósito da eterna questão de uma universidade italiana na Áustria. Os diversos oradores pediram que Trieste fosse escolhida como sede da futura universidade. A agitação tende a estender-se. Ela terá, por certo, algumas repercussões na península.

Referência: Mort de Scipio Sighele (1913, outubro 24). Journal des débats politiques et littéraires, ano 126, n. 295, Paris, p. 2.

terça-feira, 2 de abril de 2019

Carta de Henri Bergson a Gustave Le Bon


Leon Dauded (1923, setembro 14), na época em que era diretor político do nacionalista e antirrepublicano L'Action française, que circulou de 1906 a 1944, publicou um virulento artigo onde acusou Henri Bergson de parvoíce, utilizando-se de uma carta que este último escrevera a Gustave Le Bon, a propósito da obra Le déséquilibre du monde publicada naquele mesmo ano. Na carta, Bergson, embora questione o pessimismo de Le Bon, reconhece a considerável contribuição que ele teria aportado na fundação da psicologia coletiva.
Eis o documento traduzido na íntegra:

Escrevo-vos para dizer com que interesse li “O desequilíbrio do mundo”. O livro não é encorajador, ah, não! Não se poderia traçar um quadro mais impressionante das dificuldades da hora presente e da aparente impotência dos homens para superá-las. Não se poderia, não mais, mostrar com mais força a principal causa dessa impotência, que é o desconhecimento das condições materiais e morais da vida dos povos. O amanhã será bom, com efeito, para a psicologia coletiva, esta ciência para a qual tanto haveis contribuído para fundar. Resta saber se vós não levastes o pessimismo um pouco longe. Na raiz de vossa argumentação, eu creio perceber a ideia de que a humanidade não muda, de que os esforços que ela parece fazer há alguns anos para se modificar, para se “racionalizar” estão condenados à impotência: sois severo, por exemplo, para com a Sociedade das Nações. Estimo, aliás, como vós, que a humanidade não mudou até aqui senão bem pouco e muito lentamente. Mas quem sabe um grande esforço de vontade realizado em condições materiais inteiramente novas não daria resultados muito mais rápidos e consideráveis! Limito-me a colocar a questão. Não gastamos muito tempo lendo-vos, porque vosso livro (e este é o maior elogio que se pode fazer a um livro) obriga o leitor a pensar.
Deixai-me, caro amigo, endereçar-vos meus cumprimentos, com a expressão de meus sentimentos afetuosos.

Henri Bergson
da Academia Francesa

Referência: Bergson, H. (1923, setembro 14). Carta a Gustave Le Bon. In: Dauded, L. (1923, setembro 14). La nouvelle ídolo: Bergson-Nigaudinos. L'Action française : organe du nationalisme integral, ano 16, n. 256, Paris: capa.

A preguiça e a lei do menor esforço


Bordeau, J. (1914, janeiro 24) comenta, no Journal des débats politiques et littéraires,  edição então recente da Revue Philosophique, comandada por Ribot, que reunira, em um único número, uma série de ensaios dedicados à vida inconsciente e movimentos em psicologia. O destaque editorial foi dado ao artigo intitulado La paresse et le moindre effort. Obter a maior soma de prazer e bem estar com o mínimo de esforço possível consistiria na tendência ao menor esforço, seja no sentido da preguiça, seja no da economia de forças a serem despendidas na consecução de objetivos. O artigo diferencia a preguiça, que resulta da apatia e que se relacionaria aos tipos fleumáticos, daquela que vira a ser o resultado de uma ação fatigante, mas que jamais levaria alguém a morrer de fome. Deixando de lado as implicações de ordem moral, do ponto de vista da psicologia, Ribot teria aí procurado explicar a preguiça sem julgá-la. Ela seria, em geral, uma espécie de velhice antecipada. A inércia do preguiçoso, todavia, seria congênita; a do velho, adquirida: feita de causas anatômicas, da decadência física, do enfraquecimento da memória, do estreitamento da vida afetiva, do empobrecimento da imaginação, da submissão ao jugo de outrem, — enumera —, porque — explica: “O velho se incrusta no hábito” (id. ibid). O hábito, todavia, importa, porque é nele que se sustenta a lei do menor esforço, não apenas em relação à preguiça, mas ainda à economia. O hábito, atenuando o esforço, favoreceria a atividade humana, transformando o voluntário no involuntário, e até as virtudes — diz ele — seriam hábitos adquiridos. Todavia, — e aí vem o que nos importa referir aqui —, essa tendência quase universal nos indivíduos não se encontraria nas massas, onde o menor esforça se manifesta menos que nas individualidades. Daí o empenho da psicologia coletiva em estudar as tendências impulsivas, as boas e as más, as úteis e as inúteis, nas revoluções, revoltas, tumultos, lutas, assim como nas assembleias e suas deliberações. 

Nota: O Journal des débats politiques et littéraires , fundado por Baudouin em 1789, ocupava-se dos debates da Assembleia nacional. Dez anos depois, com os irmãos Bertin, torna-se o Journal de l'Empire, mas reencontra seu nome depois. Conservador, caracterizou-se pela qualidade da redação e pela diversidade de temas que iam da política à literatura. Circulou até 1944. (Fonte: Galliga, BNF).

Fonte: Bordeau, J. (1914, janeiro 24). Revue Philosophique. La paresse et le moindre effort, Journal des débats politiques et littéraires, ano 126, n. 23,  Paris, capa-2.

domingo, 17 de março de 2019

À Francesa

Na década de 1920, graças a uma resenha crítica aparecida na França e dedicada ao exame de obras publicadas na área da Psicologia Social, constata-se o interesse que a psicologia coletiva vinha despertando, inclusive na Holanda, por exemplo. Tal crítica merece ser aqui aproximada, seja pelo conteúdo, seja pelo estilo, dir-se-ia, inconfundivelmente francês.
Na Revue philosophique de la France et de l'étranger publicada no mês de julho de 1920, A. van Gennep procede a exame sobre um livro então recentemente publicado por H. L. A. Visser[1] e intitulado Collectief Pychologische Omtrekken, Haarlem, Tjeenk Willink et fils, 1920, 236 p. A obra é apresentada como uma sorte de introdução geral ao estudo sistemático da psicologia coletiva, de onde “uma exposição fragmentada em paráfrases muito curtas nas quais muito problemas importantes são antes sinalados que resolvidos” (Gennep, 1920, p. 308). Uma exposição que, segundo ironiza o crítico, muito mais se aproximava do título do que este mesmo daria a entender, uma vez que pode ser traduzido por Contours de la psychologie collective, ou seja, Contornos da psicologia coletiva. O leitor francês ainda teria razões para reclamar a presença de referências bibliográficas em lugar de simples alusões nominais a Comte, Tarde e outros, bem como um maior aprofundamento tanto na abordagem das relações entre a psicologia coletiva e a sociologia, como no capítulo que tratou do papel da imitação na formação dos sentimentos, dos conceitos e gestualidade coletiva. Seria também o caso, ― acrescenta o crítico, ― de reprovar a Visser haver “levado a sério a terminologia nebulosa e os raciocínios confusos de Wundt, do qual as enormes obras, construídas sobre um mínimo de fatos, ainda assim discutíveis, fornecem um belo exemplo de ciência alemã factícia e inútil” (id., ibid.). Em que pese também Visser haver reconhecido em sua obra a importância dos documentos etnográficos e do método comparativo para uma renovação no estudo dos fenômenos da psicologia coletiva, ressalta o crítico: “se existe alguém que nada disso compreendeu, nem a esses documentos, nem a esse método, esse alguém é Wundt” (id., ibid.). A partir do quinto capítulo, o livro consistiria apenas em uma análise do trabalho de Wundt e de outros sábios, como Vierkandt, “que viram melhor e foram além de Wundt na análise e interpretação dos fenômenos de psicologia coletiva” (id., ibid.), ponto no qual Visser se separaria de Wundt para propor suas interpretações pessoais. Finalmente, colocadas tais reservas, o livro “seria útil como exposição de conjunto de uma ciência especial e ainda pouco conhecida do grande publico holandês” (id., p. 309), razão pela qual mereceria “sucesso durável” e, caso reeditado, bibliografia e índice que lhe assegurassem “o valor de um manual cômodo” (id., ibid.).

FONTE: Gennep, A. Van (1920). H. L. A. Visser, Collectief Pychologische OmtrekkenTjeenk Willink et fils, 1920. Revue philosophique de la France et de l'étranger, Paris, LXXXIV-XC, p. 308-309.


[1] Herman Lodewijk Alexander Visser (Amersfoort , 24 de abril de 1872 - Deventer , 28 de maio de 1943). Advogado e filósofo holandês, doutor em direito em 1896 pela Universidade de Amsterdã, com tese cujo tema fora a supervisão psiquiátrica em prisões. Fonte: Wikipédia <https://nl.wikipedia.org/wiki/Herman_Visser>. Acesso em 13/03/2019.