Reflexões
de Wilhelm
Stekel em "La Femme Frigide" (1949) Wilhelm Stekel (1868-1940),
médico austríaco, discípulo de Freud desde os primórdios do movimento
psicanalítico, foi um dos pioneiros da psicanálise. Apesar disso, ele divergiu
da ortodoxia freudiana e desenvolveu uma abordagem própria, direta e pragmática.
Estudioso dos distúrbios sexuais e das neuroses, Stekel colocou a sexualidade na
perspectiva clínica moderna. Em suas obras, combina a observação clínica com
uma visão progressista tanto da sexualidade quanto das relações humanas. Suas
ideias sobre amor livre, emancipação sexual e crítica às instituições
matrimoniais tradicionais o colocaram na vanguarda do pensamento sexual de sua
época.
“A Mulher Frígida” é uma de suas obras mais
conhecidas. Denso e volumoso, o livro traz casos clínicos e observações
perspicazes. Há uma edição brasileira, mas, curiosamente, nela não se encontram
as conclusões do autor, presentes da edição francesa de 1949. São conclusões e
observações que merecem divulgação, visto que tratam, com extrema acurácia, seja
da frigidez feminina, seja da dinâmica dos relacionamentos. A visão de Stekel é,
paradoxalmente, pessimista e esperançosa das relações conjugais e humanas. Para
ele, um casamento fundado no amor genuíno — aquele que oferece, em tese, as
melhores perspectivas de felicidade e harmonia —, ao contrário do que comumente
se acredita, não garante proteção absoluta em face do surgimento de novos
sentimentos amorosos.
Como lidar com essa
realidade, afinal, tão evidente? Como negar que nossos ideais românticos estejam
expostos ao desgaste inevitável imposto pela passagem do tempo? Só os ideais
infantis possuem uma qualidade quase indestrutível. Os ideais adultos são
complexos que regem as relações maduras. Os anos passam rapidamente. A harmonia
espiritual, que caracterizava os primeiros momentos da união, frequentemente se
desfaz e dá lugar ao tédio. Um dos parceiros pode continuar desenvolvendo seus
potenciais, enquanto o outro permanece estagnado. Uma situação nada incomum,
aliás, e da qual resulta um desequilíbrio que corrói a base da relação. Além
disso, há o instinto polígamo, o desejo de novidade, o progresso das paixões. Todos
esses elementos representam jogos perigosos em qualquer união.
Contudo, não obstante tal
cenário, Stekel reconhece que o casamento não se limita a uma comunhão erótica.
Ele também é uma comunhão que inclui interesses econômicos e sociais. Ao lado
do amor, pode desenvolver-se o sentimento não-erótico de amizade profunda, que
talvez constitua o vínculo mais poderoso de uma união duradoura. O hábito,
nesse cenário, se mostra como um poder peculiar. Ele forja e solidifica ligações.
Assim, apesar dos novos amores que podem surgir, um estado de fidelidade também
pode existir e até mesmo se fortalecer após breves períodos de infidelidade. Quando
o amor antigo sobrevive a essas provações, ele pode experimentar uma
intensificação. A harmonia conjugal torna-se, então, mais profunda e madura. Esta
observação de Stekel é particularmente interessante, porque sugere que a
fidelidade não é necessariamente estática. Ela pode corresponder a um processo
dinâmico de redescoberta e renovação. A condição, naturalmente, é que ambos os
parceiros tenham os mesmos direitos e a mesma liberdade de escolha. Todavia, quando
o novo parceiro se revela mais compatível, quando um novo ideal desvaloriza o
antigo, o casamento deve se dissolver, porque, sem amor, ele se torna imoral. Toda
e qualquer forma de constrangimento e chantagem emocional são, aliás,
igualmente imorais para Stekel. Essas reflexões levam, naturalmente, a que se
questione a própria instituição do casamento monogâmico, embora ele represente,
provavelmente, a única solução possível do problema social sexual.
Interessante também é a
proposta de Stekel de um "casamento experimental" de quatro anos, uma
ideia revolucionária para a época. As mulheres, contrariamente ao que se
poderia esperar, são frequentemente as primeiras a se submeterem a julgamentos
tradicionais sobre fidelidade, mesmo quando esses julgamentos as prejudicam. Uma
das observações mais penetrantes feitas por Stekel se refere à natureza
do adultério feminino. Para ele, na maioria dos casos, não se trata de uma
necessidade sexual propriamente dita, mas de uma arma na luta dos sexos, uma
forma de afirmar a personalidade feminina. Muitas mulheres traem seus maridos
não por desejo, mas porque procuram no outro aquilo que não conseguem amar no
marido, aquilo que as deixa emocionalmente frias na relação conjugal. Paradoxalmente,
não é raro que o marido, por conta de um ciúme exagerado, provoque a
infidelidade que tanto teme. Stekel observa que mulheres que simulam orgasmos
para seus maridos consideram sua própria sexualidade como um defeito a ser
vencido. Essas mulheres tentam dessexualizar completamente suas vidas. Com
isso, elas excluem não só o prazer sexual, como ainda todas as funções sexuais
saudáveis.
O medo do casamento ― que
não é incomum ― muitas vezes reflete o terror de ser obrigado a sacrificar a
própria personalidade, para abandonar-se completamente ao outro. Stekel
identifica aí uma curiosa contradição: este é, precisamente, o objetivo secreto
de alguns indivíduos que desejam ardentemente se dissolver no eu amado. Essa
dissolução, quando genuína, não é unilateral. Ela representa uma penetração
mútua, na qual cada parceiro se sacrifica, sim, mas também, simultaneamente, ganha
com isso. Isso é raro. Somente o fogo do verdadeiro amor que pode produzir tal
fusão alquímica. E, quando a ligação se torna verdadeiramente indissolúvel,
cada separação significa morte ou declínio para ambos os parceiros.
Questões sociais: a decadência
das elites, o futuro da civilização e o mito do amor materno. Stekel estende
suas reflexões a questões sociais mais amplas, observando como as camadas
inferiores da sociedade ascendem, enquanto as superiores parecem incapazes de
transmitir suas aquisições culturais. O trabalho de refinamento cultural,
lamenta ele, estabeleceu-se apenas para o indivíduo isolado, não mais para a
humanidade como um todo. Quando a aristocracia espiritual morre, o progresso
humano se detém. A análise demográfica de Stekel é particularmente sombria: ele
observa que os camponeses começam a conhecer e aplicar os princípios
malthusianos de controle populacional, citando uma suposta oração dos pastores
alemães: "Dai-nos vacas e bois, mas não nos dê crianças". As
perspectivas para o futuro da Europa, conclui, são desanimadoras, pois "o
amanhã pertence ao povo que tiver mulheres fecundas".
Uma das observações mais
perturbadoras de Stekel refere-se ao declínio do instinto materno.
Contrariamente à crença popular de que o amor materno é um instinto inato e
inviolável, suas análises revelam que muitas mães neuróticas carecem
completamente desse sentimento, que às vezes se transforma em ódio terrível.
Ele observa que o amor materno exagerado frequentemente é suspeito, podendo
representar a compensação de uma deplorável carência emocional. São mães que oscilam
entre os extremos de uma superproteção ansiosa e da rejeição hostil, criando
condições neuróticas em seus filhos. A correlação entre a felicidade conjugal e
o amor materno é particularmente reveladora: mães que são infelizes em seus
casamentos frequentemente transferem essa infelicidade para suas crianças. Elas
detestam os filhos, ou porque não amam o pai, ou porque as crianças representam
as correntes que as prendem a um casamento sem amor.
A questão das crianças
não desejadas preocupa profundamente Stekel. Ele observa que muitas nascem
contra a vontade de seus pais e questiona-se se é surpreendente que essas mães
acabem detestando seus filhos. A impressão eterna que uma criança recebe do
desejo de destruição materno ― "um ódio inculcado com o sangue
materno" ― produz uma aversão fundamental contra a vida. Há também conexões
inquietantes entre crianças ilegítimas e comportamentos antissociais, sugerindo
que a maioria dos criminosos e anarquistas são produtos de gestações
indesejadas. Essa observação, embora controversa, aponta para a importância
fundamental do desejo parental na formação da personalidade.
Dilemas da emancipação
feminina. A análise de Stekel sobre a emancipação feminina é complexa e,
por vezes, contraditória. Ele observa que a mulher moderna se encontra dividida
entre ser mulher, ser mãe ou ser amante, como se essas identidades fossem
mutuamente excludentes. A mulher que se recusa à profissão materna, sem
uma obrigação ética ou social, se subtrai da natureza feminina tanto quanto a
amante frígida. Esta reflexão leva Stekel a compreender o fenômeno das mulheres
desumanas, que formam batalhões de amazonas ou mães patriotas que enviam
seus filhos para a guerra. As verdadeiras mães, argumenta ele, são sempre
antimilitaristas, recusando-se a ser máquinas de fazer filhos, para produzir
soldados para o Estado. A guerra, aliás, não é apenas um fenômeno político.
Toda guerra é sintoma de uma infelicidade coletiva. Na medida em que a
liberdade pessoal é suprimida, a compensação se produz violentamente sob a
forma de impulsos destrutivos. A guerra aumenta automaticamente todos os
vícios: glutonaria, inveja, orgias, cupidez, avidez por prazeres bestiais. Paradoxalmente,
ela aumenta também a liberdade sexual, como se observou na Rússia
pré-revolucionária, quando a juventude se desviou pelo niilismo, abandonando-se
ao amor livre sem restrições e criando assim uma verdadeira epidemia que se
apoderou da intelligentsia jovem.
O amor como resposta. A
solução proposta por Stekel é radical em sua simplicidade: o direito sexual do
indivíduo deve ser reconhecido. O direito ao amor, à felicidade e ao gozo
sexual deve ser concedido ao indivíduo, que deve ter o direito de dispor de seu
corpo segundo seu desejo, sem prestar contas à moral pública. Contudo, Stekel
faz uma distinção crucial: "tenho grande respeito pela santidade do amor
para dar esse nome a qualquer desejo sexual". Os homens perderam sua
capacidade de amar e encontrar o amor verdadeiro. Se houvesse apenas
verdadeiros amantes, não haveria problemas de frigidez nem neuróticos.
Stekel reconhece que o
casamento monogâmico, com ou sem sacerdote, reconhecido ou não pelo Estado,
será sempre a única possibilidade viável. O problema é complexo, mas cada parte
deve ser livre para deixar essa comunhão sem processos e sem explicações
detalhadas. Qualquer constrangimento se torna origem de uma reação secreta que
tende a subverter aquilo que se pretende proteger. Não se deve entender por amor
livre uma vida sexual sem limites nem restrições. Stekel considera o
verdadeiro amor como uma obrigação de fidelidade, argumentando que é sempre
monógamo e constitui a única proteção real contra a infidelidade.
O problema da fidelidade,
por sua vez, é mais complexo do que parece. A disposição polígama humana torna
difícil a monogamia mesmo para aqueles que amam verdadeiramente. Contudo, os
pequenos afastamentos não deveriam ser considerados trágicos. Um verdadeiro
amor liga psíquica e fisicamente dois seres, e sobrevive a todos os perigos,
produzindo compreensão mútua e perdão. Para alcançar este ideal, o indivíduo
deve ter possibilidade de escolha. Deve, às vezes, passar por todos os estados
do amor para encontrar seu ser complementar. O ser humano é, fundamentalmente,
um buscador do amor. Ele não é feliz, a não ser que encontre seu amor
específico: não o amor em geral, mas o seu amor particular.
A Religião da alegria
de viver. Stekel encerra suas conclusões expondo uma visão quase mística.
Ele acredita que a humanidade necessita de uma nova religião: a religião da
alegria de viver. O amor livre fixará o indivíduo ao seu parceiro muito mais
profundamente do que o amor obrigatório jamais conseguiu. Se não puder
realizar-se plenamente, o amor morrerá, e toda ligação sem amor é imoral para
seres nobres. Citando uma antiga verdade budista, Stekel encerra suas
reflexões: "Assim, o comum existe e o nobre existe também; mas há uma
liberdade que é superior a toda percepção dos sentidos". Esta liberdade
superior não é licenciosidade, mas a capacidade de amar genuinamente, sem
constrangimentos externos, criando vínculos que são ao mesmo tempo mais livres
e mais profundos do que qualquer imposição social poderia produzir.
Considerações Finais. As
reflexões de Stekel sobre amor, sexualidade e sociedade, embora datadas em
alguns aspectos, são reveladoras. Sua análise da frigidez feminina como sintoma
de questões sociais mais amplas, sua crítica às instituições que constrangem o
amor genuíno e sua visão acerca do verdadeiro amor como uma força
transformadora permanecem como aspectos capitais nas discussões contemporâneas
sobre relacionamentos, sobre autonomia sexual e sobre realização pessoal. Sua
compreensão de que a luta dos sexos reflete desequilíbrios sociais mais profundos,
bem como sua intuição de que apenas o amor genuíno pode transcender essas lutas,
oferece uma perspectiva única sobre os dilemas eternos da condição humana. Ao
final, Stekel nos entrega uma verdade simultaneamente simples e complexa: onde
o coração e o corpo encontram seu complemento, a luta está terminada. Seres
interiormente livres jamais são neuróticos, porque vivem seus conflitos sem
dissimulação. Eles conhecem assim uma liberdade superior, que transcende tanto
a repressão quanto a libertinagem. Eles descobrem, enfim, a liberdade de amar
verdadeiramente.