Espaço inicialmente reservado a produções relacionadas ao meu Mestrado em Memória Social e Bens Culturais, Lasalle, concluído em 2012. Depois, em boa parte, direcionado a pesquisas vinculadas ao meu Doutorado em História Social, USP, concluído em 2017 e, por fim, ao meu pós-doc em Psicologia Social junto à UERJ, concluído em 2023. Além disso, contempla temas como memória, história, arquivos pessoais, cotidiano, arte, fotografia e outros saberes.
domingo, 15 de março de 2015
quinta-feira, 5 de março de 2015
Minha Querida Lysia
Publicação 2015
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Trecho de uma das cartas de Maria. |
Minha Querida Lysia
TOMASINI, Maristela Bleggi. Minha Querida Lysia. In: FREITAS, Talitta Tatiane Martins. (Org.). Anais do VII Simpósio Nacional de História Cultural: Escrita, circulação, leituras e recepções, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. ISBN: 978-85-67476-12-4
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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
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"Mas não é um favor, objetam nossos filósofos, evocar as
forças profundas (fosse para reintegrá-las no sistema tão pobre de garantias)?
“Libertem-se da censura! Frustrem seus superegos! Tenham a coragem de seus
desejos!” Logo, solicitem-se verdadeiramente essas forças profundas para
permitir-lhes que se articulem em uma linguagem? Esse sistema de significações
permite levar a um sentido, e a qual sentido, zonas até aqui ocultas da pessoa?
Ouçamos agora Martineau: “É naturalmente preferível utilizar termos aceitáveis,
estereotipados: é a própria essência da metáfora (!)... Se eu peço um cigarro
‘suave’ ou um ‘belo’ carro, ― ainda que incapaz de definir literalmente tais
atributos ―, sei que eles indicam alguma coisa de desejável. O motorista mediano
não sabe o que é o octano em sua gasolina, mas ele sabe vagamente que é alguma
coisa favorável. Assim, pede gasolina com alto índice de octanagem, porque é
esta qualidade favorável e essencial que ele reclama em um jargão ininteligível”
(p. 142). Em outras palavras, o discurso publicitário não faz senão suscitar o
desejo para generalizá-lo nos termos mais vagos. As “forças profundas”,
reduzidas a sua mais simples expressão, são indexadas sobre um código
institucional de conotações e de “escolhas” não podem, no fundo, senão
chancelar o conluio entre esta ordem moral
e minhas veleidades profundas: tal é a alquimia da “garantia psicológica”[1].
Essa evocação estereotipada das “forças profundas” equivale
muito simplesmente a uma censura. Essa
ideologia da realização pessoal, o ilogismo triunfante das pulsões
desculpabilizadas, é, de fato, um gigantesco empreendimento de materialização
do superego. Aquilo que é “personalizado”
no objeto é, primeiro, uma censura. Os filósofos do consumo costumam falar
de “forças profundas” como de possibilidades imediatas de felicidade que é o
bastante liberar. Todo inconsciente é conflitante e, na medida em que a
publicidade o mobiliza, ela o mobiliza como conflito. Ela não libera as
pulsões, ela, antes, mobiliza os fantasmas que bloqueiam essas pulsões. Daí a
ambiguidade do objeto, daí a pessoa jamais se superar, podendo apenas
recolher-se contraditoriamente: nos desejos e nas forças que o censuram.
Encontramos aí um esquema global de gratificação/frustração analisada mais acima:
o objeto veicula sempre, sob uma resolução formal de tensões, sob uma regressão
nunca exitosa, a recondução perpétua dos conflitos. Estaria aí talvez uma
definição da forma específica da alienação contemporânea: os próprios conflitos
interiores, as “forças profundas” são mobilizadas como o é a força de trabalho
nos processos de produção.
Nada mudou, ou antes, se : as restrições à realização
pessoal não se exercem mais através de leis repressivas, de normas de
obediência : a censura se exerce através das condutas “livres” (compra,
escolha, consumo), através de um investimento espontâneo, ela se interioriza de
qualquer sorte no próprio gozo."
BAUDRILLARD, Jean. Le sistème des objets. Paris: Gallimard, 1968, p. 269-270.
[1] De
fato, é fazer muita honra à publicidade compará-la a uma magia: o léxico nominalista dos alquimistas tem, ele, algo de uma
verdadeira linguagem, estruturada por uma práxis de procura e de decifração. O
nominalismo da “marca”, ele, é puramente imanente e fixado pelo imperativo
econômico.
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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015
A Cidade
'Mas a «cidade de cultura» em breve se expande. Desdobra-se em arrabaldes que, pouco a pouco, vão absorvendo os meios rurais circundantes. A relação com a natureza deixa de ser dialéctica para passar a ser esterilizante. O mundo rural é esvaziado, sem que tenha tempo de se renovar. Paralelamente, a gestão da cidade torna-se cada vez mais pesada e burocrática. Formas geométricas e cristalizadas substituem-se às formas orgânicas. O anonimato é a regra, encontrando-se o indivíduo desprovido de meios para se situar, de forma perdurável, em relação ao seu próprio meio. É assim que surge a «cidade mundial», submetida, segundo as épocas, ao poder dos tecnocratas ou dos funcionários imperiais. A sua aparição, diz-nos Spengler, corresponde ao estádio da «petrificação» das culturas. «Estas cidades gigantescas e pouco numerosas», escreve, «banem e matam, em todas as civilizaçãos, sob o conceito de província, e por inteiro, a paisagem que foi a mãe da sua cultura (...). Elas transformam-se na história petrificada de um organismo».'
BENOIST, Alain de. A Cidade in "Nova Direita Nova Cultura – Antologia crítica das ideias contemporâneas", Lisboa, Fernando Ribeiro de Mello/Edições Afrodite, 1981.
terça-feira, 17 de fevereiro de 2015
Cartão Fúnebre
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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015
Etiqueta
"E não confundamos educação com etiqueta, pois a etiqueta pode não ser originada por esse perfeito sentimento, como impulso instantâneo, mas imposta por conveniências mercantis. A etiqueta, nestes casos, é o instrumento do disfarce, a dissimulação aplicada, e a arma da hipocrisia".
domingo, 8 de fevereiro de 2015
A PANÓPTICA
As sociedades ocidentais da
atualidade dispõem de meios de vigilância e de controle com os quais os antigos
regimes totalitários teriam apenas sonhado. E atualmente eles são empregados
cada dia um pouco mais. A essa vigilância soma-se o “politicamente correto”,
que procura normatizar a opinião pelo emprego de palavras impostas a todos, ao
estilo do “pensamento único”. Substitui-se o debate pelo sermão, de um
higienismo invasivo, que visa modelar comportamentos em nome do bem, conformando
preferências e dileções. Isso vai diretamente de encontro à liberdade de
expressão, à propaganda, enfim, que se denomina hoje publicidade.
A segurança tornou-se, nos
últimos anos, uma preocupação política essencial. Satisfazer a esta preocupação
sem atingir as liberdades é um problema que não vem de ontem. No seio das
“sociedade do risco”, a insegurança real ou presumida engendra um clima de
incerteza e de medo apropriado a fazer nascer todos os fantasmas. O aparelho
securitário faz uso desse clima para colocar a sociedade sob controle. Os
totalitarismos clássicos desaparecem. São assim outras lógicas, mais sutis, de
servidão e de dominação que aparecem. Elas tomam a forma de uma engrenagem
complexa de proibições e de regulamentações que se legitimam pelas ameaças
onipresentes. Os pretextos são sempre excelentes: trata-se de lutar contra a
delinquência, de vigiar nossa saúde, de aumentar a segurança, de melhor
controlar a imigração ilegal, de proteger a juventude, de lutar contra a
“cybercriminalidade”, etc. A experiência mostra, porém, que as medidas adotadas
no início apenas em relação a um pequeno número são a seguir sempre estendidas
ao conjunto dos cidadãos. Uma vez o princípio admitido, resta apenas
generalizá-lo.
“Desde alguns anos, tentam ―
escreve o filósofo Giorgio Agambem ―, nos convencer a aceitar como dimensões humanas
e normais de nossa existência práticas de controle que sempre foram
consideradas como excepcionais e propriamente desumanas”. O problema é que,
para se assegurarem de sua segurança, os homens têm, em todos os tempos, se
mostrado prontos a abandonar suas liberdades. A “luta contra o terrorismo” é,
desse ponto de vista, exemplar. Ela permite instaurar, em escala planetária, um
estado de exceção permanente. Nos Estados Unidos, os atentados de setembro de
2001 tiveram como consequência direta enormes restrições das liberdades
públicas. Esse modelo está a caminho de se generalizar. Do fato de sua
onipresença virtual, o terrorismo provoca medos eminentemente rentáveis e
exploráveis. Contra o inimigo invisível, a mobilização só pode ser total, pois
em tais circunstâncias todos são infalivelmente suspeitos. A luta contra o
terrorismo permite aos poderes públicos que se imponham frente à sua própria
sociedade civil, tanto quanto frente aos seus inimigos designados. Além dessa
realidade imediata, o terrorismo pode assim se definir como fenômeno gerador de
um terror convertível em capital político, que aproveita menos aos seus autores
do que àqueles que dele se servem como repositório, para condicionar e
amordaçar seus próprios cidadãos.
Hostis a toda opacidade social,
as democracias liberais se dão um ideal de “transparência” que só pode se
realizar pelo esquadrinhamento social. A
sociedade transforma-se então em um bunker
protegido por distintivos, códigos de acesso, câmeras de vigilância. A
multiplicação de espaços privativos, sempre com a finalidade de segurança, subtrai
tais espaços ao fluxo social e termina por fazer desaparecer a própria noção de
espaço comum, que é aquela da cidadania. Assim se dá lugar a uma Panóptica, de
outro modo mais temível do que aquela prevista por Jeremy Bentham, mas cuja
função é a mesma: tudo ver, tudo entender, tudo controlar. No interior de uma
sociedade de assistência generalizada, ― na qual os problemas sociais dependem
apenas da “célula de assistência psicológica” e onde a obsessão ingênua do
“diálogo” dá a entender que, pela discussão, tudo é negociável e pode encontrar
uma solução ―, a conformidade ou “monocromia” (Xavier Raufer) se faz do mesmo
jeito que se opera, em informática, a formatação de um disco rígido, de maneira
que aceite apenas uma única categoria de softwares ou de programas.
Compreende-se melhor, a partir daí, que a ideologia dominante fale mais
naturalmente de direitos que de liberdades, pois a instauração de um novo
direito se complementa, inevitavelmente, de um controle ilimitado de sua
aplicação.
A figura que a sociedade de
mercado procura promover é aquela do eterno adolescente refém de uma permanente
adição ao consumo: a mercadoria como droga. Economia compulsiva, onde a energia
é convertida em pura agitação, em simples capacidade de se distrair. Essa
distração, no sentido pascaliano da palavra, aproxima-se de uma diversão. Ela
desvia do essencial e contribui assim para um desapossamento de si. Provocar
medo de um lado, divertir de outro, ou seja, desviar-se do essencial, impedir
que se possa refletir, dar prova de espírito crítico. Tudo fazer para que as
pessoas produzam e consumam, sem se interrogar sobre algo além de suas preocupações
e desejos imediatos, sem jamais se engajarem em um projeto coletivo que as
possa tornar mais autônomas. A sociedade assim docilizada se torna essa “tropa
de animais tímidos e industriosos” dos quais falava Tocqueville. Eis o ideal da
criação de aves em confinamento.
O fato mais marcante é a
correlação que se observa entre a perda de autoridade e a obsolescência
política do Estado-nação e o reforço de seu aparelho repressivo. Então, mesmo
quando se distancia cada vez mais do domínio econômico e social, o Estado
legifera e controla mais e mais seus cidadãos. A vantagem para ele é que, em
matéria de segurança, não tem obrigação de resultado. Melhor ainda: seu
interesse é de não obtê-lo, porque assim pode justificar a perenização de suas
políticas de controle e de segurança. “Não se reelege um governo promotor da
segurança total porque ele teria conseguido reduzir a insegurança. Ele é
reeleito porque a insegurança persiste” (Percy Kemp). O verdadeiro objetivo não
é, pois, tanto o de suprimir a insegurança, que é dádiva para aqueles que dela
se aproveitam, mas o de mantê-la, de modo a tornar possível a manutenção de uma
vigilância cada vez mais generalizada.
Trata-se, afinal e contas, de
criar um caos latente que, sem ultrapassar certo patamar, seja suficiente para
inibir qualquer tentativa de reação coletiva. A mesma tática foi observada no
passado contra as “classes perigosas”, com o objetivo inconfessável de eliminar
os desviantes, os portadores de uma palavra discordante. Hoje, são os próprios
povos que, aos olhos da Forma-Capital e das oligarquias reinantes são
globalmente transformadas em “classe perigosa”. É aos povos que é preciso
domesticar. Para impedi-los de elaborar projetos coletivos de emancipação e de
autonomia, é bastante inspirar-lhes medo. É para isso que serve a Panóptica.
“Quando não existe o martírio físico, dizia Péguy, são as almas que não
conseguem mais respirar”.
Robert de Herte, L'Panoptique. Éléments n°117, 2005, disponível em
http://grece-fr.com/?p=3788
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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015
sábado, 17 de janeiro de 2015
Fernando Pessoa
Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro.
Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do
rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá, e é esta a razão intima de todo o meu
sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem
há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha
mágoa é mais antiga.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a
consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me
a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me
deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Março, às nove horas e dez
da noite, a minha vida sabe a valer isto.
No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do
meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde
pendem; estão enrolados muito alto, e assim nem a ideia de mim fugido pode, na
minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu
estado de alma neste momento. Como à veladora do «Marinheiro» ardem-me os
olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por
interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a
brochura a descoser-se.
Se eu não estivesse escrevendo a você, teria que
lhe jurar que esta carta é sincera, e que as cousas de nexo histérico que aí
vão saíram espontâneas do que sinto. Mas você sentirá bem que esta tragédia
irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena — cheia de aqui e de
agora, e passando-se na minha alma como o verde nas folhas.
Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta frase
é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão uma
grande vontade de chorar. Pode ser que se não deitar hoje esta carta no correio
amanhã, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e
esgares dela no «Livro do Desassossego». Mas isso nada roubará à sinceridade
com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que a sinto.
Fernando Pessoa, in 'Carta a Mário de Sá-Carneiro
(1915) '
Fonte: Citador
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