domingo, 20 de outubro de 2024

O REALISMO SOCIALISTA, FORMA DO IDEALISMO


"Herbert Read diz, com razão, que o problema que o realismo socialista levanta é um falso problema, já que só existem duas formas de arte: a boa e a má. A arte boa é sempre uma síntese dialética do que é real e do que é irreal, da razão e da imaginação. Ao ignorar essa contradição, ao querer forçá-la em favor de uma única antinomia, o realismo socialista deixa de ser dialético e retrocede a uma espécie de idealismo. Tenta impor um objetivo intelectual e doutrinário à arte. Por outro lado, o propósito de alcançar as massas e realizar propaganda tem um resultado previsível: mal se consegue o arte do cartaz, e do cartaz no pior sentido do naturalismo."

Sabato, E. (1963). El escritor y sus fantasmas (Editor digital: Moro, ePub base r1.0).

Você concorda com esta provocativa citação sobre o realismo socialista e sua relação com o idealismo no campo da arte? Read[1] argumenta que o realismo socialista, ao tentar impor uma visão unidimensional à arte, acaba por se afastar da verdadeira essência da criatividade, que deve ser uma síntese dialética entre o real e o irreal, a razão e a imaginação. Esse conceito dialético é fundamental na filosofia, especialmente na tradição hegeliana, onde a contradição é vista como um motor de desenvolvimento e transformação. O assim chamado "falso problema" seria a tentativa de forçar a arte a servir a um objetivo político ou ideológico específico. Ao fazer isso, o realismo socialista não só ignoraria a complexidade da experiência humana, como também se tornaria uma forma superficial de arte, do que resultaria uma propaganda desprovida do as expressão que toda arte, em tese, deve possuir. O que seria, todavia, uma “arte verdadeira”? Segundo Read, a verdadeira arte teria lugar em um espaço no qual razão e imaginação pudessem coexistir e influenciar-se mutuamente. Essa síntese dialética é o que permitiria à arte refletir a condição humana em toda sua complexidade: lutas e realidades sociais, aspirações e sonhos individuais. Ao tentar comunicar uma mensagem política de maneira direta, o realismo socialista corre o risco de reduzir o arte a um nível superficial, transformando-o em “arte de cartaz”, na qual a estética se torna secundária à mensagem, levando a obras que são mais didáticas do que inspiradoras. Quando mal utilizado, o naturalismo se aproxima de uma forma de simplificação, onde as nuances da vida são perdidas em favor de representações cruas e diretas. É importante reconsiderar a função da arte na sociedade, porque ela não deve jamais ser um mero reflexo da ideologia ou um veículo de propaganda, mas, sim, a expressão rica e multifacetada da condição humana.

 


[1] Sir Herbert Edward Read (1893-1968) foi um poeta anarquista e crítico de arte e de literatura britânico. Foi nomeado cavaleiro em 1953. Obteve o Prêmio Erasmo em 1966. Foi criado numa fazenda e serviu como oficial na Primeira Guerra Mundial. Fonte: Wikipédia.

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