A cada duas semanas, minha caixa de entrada ganha um presente: a newsletter da L’Humanologue, uma revista francesa que se propõe a explorar o humano em suas múltiplas facetas. Com uma abordagem que mistura antropologia, psicologia e cultura, ela busca entender o que nos move, o que nos define, sem jamais cair em respostas simplistas. Fundada com o objetivo de iluminar as complexidades do comportamento humano, a L’Humanologue entrega conteúdos que, em regra, valem o tempo investido na leitura. É o caso da história de MrBeast, o youtuber que reina absoluto com mais de trezentos e setenta milhões de seguidores nas redes sociais.
Aos 27 anos, MrBeast – ou Jimmy Donaldson, seu nome verdadeiro – é o maior fenômeno do YouTube. Bilionário, ele construiu um império com vídeos que capturam a atenção global. A chamada do artigo é: “Avec plus de 370 millions de followers sur les réseaux sociaux, MrBeast est le youtubeur le plus connu au monde ! Son business florissant a fait de lui un milliardaire. À 27 ans seulement.” Sim, você leu corretamente. São 370.000.000 de seguidores. Trezentos e setenta milhões. Cito literalmente, porque, não fosse a seriedade da fonte, eu duvidaria. Mas o que, afinal, atrai tantos olhares? A curiosidade sobre seus conteúdos é inevitável. Tudo começou com desafios tão absurdos quanto magnéticos: contar de um a cem mil, gravar-se olhando tinta secar por uma hora, fazer um pião girar por um dia inteiro (sem sucesso, aliás). Com o tempo, a escala cresceu. Ele passou a filmar noites na savana africana, protegido por uma jaula de metal, ou a dirigir caminhões em estradas montanhosas à beira de precipícios. Seus desafios também envolvem voluntários em provas que testam limites: ficar dias numa sala branca e vazia por uma grande quantia em dinheiro, escolher entre dividir prêmios com a equipe ou traí-la pelo lucro solitário. De vídeos amadores, MrBeast criou uma máquina de entretenimento, digna de grandes realities.
Mas há um outro lado, menos brilhante, que o artigo da L’Humanologue revela. Apesar da fama e da fortuna, MrBeast confessou estar infeliz. Ele trabalha 15 horas por dia, sem pausas, preso à engrenagem que ele mesmo construiu. A liberdade? Evaporou-se. Sua agenda é ditada por empresas, produções e expectativas alheias. Some-se a isso as críticas: seus desafios, por vezes, são vistos como cruéis, remetendo a experimentos psicológicos duvidosos, como forçar pessoas a dançar até a exaustão por uma recompensa. Há quem o acuse de explorar os limites físicos e morais dos participantes, o que lhe rende insultos e até ameaças de morte. E, no meio disso tudo, ele lida com a doença de Crohn, uma condição inflamatória que traz dores abdominais e fadiga crônica. Riqueza e sucesso, ao que parece, não o blindaram contra o sofrimento.
É fácil, nesse ponto, cair na tentação de julgar as redes sociais como um pântano de conteúdos rasteiros. Afinal, quem nunca tropeçou em vídeos de conspirações malucas, dramatizações exageradas, produções de gosto duvidoso ou amadorismo gritante? Essas são as terras baixas da internet, onde o mau gosto e a polêmica reinam soberanos. Mas e o topo? O que dizer dos conteúdos que, como os de MrBeast, escalam milhões de visualizações e dominam o pódio digital? A questão não é apenas sobre ele, o produtor que, feliz ou infeliz, chegou ao cume de um certo Olimpo virtual. Tampouco é sobre sua vulnerabilidade, exposta aos olhos de quem o segue. A verdadeira pergunta recai sobre o número expressivo de pessoas que o seguem: sua majestade, os espectadores. Quem são esses milhões que param para assistir a uma pintura secar, a um homem preso numa sala branca, a dilemas que testam a ganância ou a resistência? Quem valida, em escala global, esses conteúdos? E por que o faz? Porque outros também o fazem e a chave disso estaria na imitação? Na adesão pela adesão? No “eu também”?
Os vídeos de MrBeast, com sua mistura de absurdo, tensão e espetáculo, são um espelho do nosso tempo. Eles não apenas entretêm – eles revelam. Revelam que a curiosidade é insaciável, que extremos atraem, que o trivial e o grandioso tem mais em comum do que se imagina. Mas o que isso acrescenta? Um momento de distração? Uma pausa na rotina? O que essa escolha – de dedicar tempo ao que é efêmero – diz sobre esses públicos e sobre a vulnerabilidade dos critérios implicados em suas escolhas? Seja como for, indiscutivelmente, são elas, as maiorias. Rendamo-nos, pois, aos seus caprichos; mas compreendê-los, parece-me fundamental.
Referência: L’Humanologue. (2025, 9 avril). Riche, célèbre et… malheureux. https://lhumanologue.fr/riche-celebre-et-malheureux/