Uma pequena nota publicada em O Mercantil de 14 de outubro de 1890 ironizava: “Rodou a Catedral”. Informava que, no dia anterior, Prudente de Moraes assinara o Decreto 91, destinando à construção de um edifício para Escola Normal o produto da loteria. Ocorre que essa verba fora destinada, em tempos imperiais, à construção de uma catedral, pela Lei 54 de 21 de Março de 1888, firmada por Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente da província de S. Paulo. A exposição de motivos do Decreto 91 justificava o novo destino dado à verba como necessário para evitar violação ao Decreto n. 119-A de 7 de Janeiro de 1890, que proibia a intervenção da autoridade federal e dos Estados em matéria religiosa, consagrando assim a liberdade de cultos e extinguindo o padroado entre outras coisas. Seus signatários são Manoel Deodoro da Fonseca, Aristides da Silveira Lobo, Ruy Barbosa, Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Eduardo Wandenkolk, Manuel Ferraz de Campos Salles, Demetrio Nunes Ribeiro, e Quintino Bocayuva.
Foi
pelo decreto n. 119-A, de 7 de janeiro de 1890 que Deodoro da Fonseca, então
tornado Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil,
pelo Exército e Armada, e em nome da Nação, proibiu tanto a autoridade federal
quanto os estados federados de virem a estabelecer qualquer religião. Também
lhes era vedado discriminar os habitantes do país por motivo de crenças ou de
opiniões filosóficas ou religiosas. Paralelamente, a todas as confissões
religiosas era assegurado regerem-se segundo princípios norteadores de sua fé,
bem como não serem contrariadas no que tange aos seus atos particulares ou
públicos, liberdade essa que não abrangia apenas os indivíduos em seus atos
individuais, mas também as igrejas, associações e institutos aos quais lhes
interessasse agremiar-se. Era, pois, garantido a todos o “pleno direito de se
constituírem e viverem coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina,
sem intervenção do poder público” (art. 3º).
Isso tudo sugere, à primeira vista, uma grande ruptura que distanciava o
pensamento republicano do pensamento conservador ligado ao império. A liberdade
religiosa soa como libertária e sabe a heresia. A extinção do padroado, em
tese, cassa privilégios. Todavia, veremos que muita coisa foi preservada, de
sorte que o mesmo decreto libertário é paradoxal. Pelo art. 5º, às igrejas e às
confissões de ordem religiosa reconhecia-se personalidade jurídica, de sorte
que poderiam adquirir e administrar bens na forma da lei, e “sob os limites
postos pelas leis concernentes à propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada
uma o domínio de seus haveres atuais, bem como dos seus edifícios de culto”.
Tais limites eram concernentes à Igreja, entidade perpétua e detentora de um
patrimônio que, — ao contrário do que ocorre com a herança objeto de sucessões
—, não mudava de mãos, daí o termo mão-morta. Do mesmo modo, ainda que extinto
o padroado (art. 4°), o governo continuaria a prover a côngrua, ou seja, por
força do art. 6°, vai prover a “sustentação dos atuais serventuários do culto
católico e subvencionará por ano as cadeiras dos seminários”. Além disso, era
prerrogativa de cada estado a manutenção dos “futuros ministros desse ou de
outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes”.
Sem
dúvida havia, sim, a novidade no ar, mas as raízes conservadoras eram
profundas. Como raízes, não vinham à luz nem floresciam como as novas ideias.
Mas permaneciam ali, na base da própria mudança que, para se efetivar de fato,
não deixava de se apoiar nas ideias que aparentemente condenava.
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