quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Cartografias do Imaginário

A ideia de que os mapas nascem da precisão técnica combinada com um match entre a régua e os devaneios do cartógrafo é uma ideia poética, definitivamente. Linhas imaginárias que definem territórios fazem com que os mapas sejam um testemunho visual que, mais que um lugar, identifica nossa imaginação. Mapas são como impressões digitais de quem o desenhou. Há escolhas acerca do que destacar, omitir ou privilegiar. O cartógrafo encarna o intérprete que traduz, em linhas e cores, a geografia afetiva de um tempo e lugar. Porque ― como não canso de dizer ― toda cidade possui seu próprio ethos. É ele o caráter distintivo que nos molda enquanto habitantes. A cidade, longe de se limitar ao papel de mero pano de fundo passivo de nossas vidas, é um agente ativo na construção de quem somos. É na cidade que os fatos acontecem, sejam eles grandiosos ou imperceptíveis traços de um cotidiano limitante. E, se é assim, os mapas, então, extrapolam o caráter de uma mera representação gráfica, para se tornarem agentes depositários de uma memória coletiva, arquivos visuais de um imaginário compartilhado. Quando olhamos para um mapa antigo de nossa cidade, percebemos ali as aspirações daqueles que habitaram aquele espaço antes de nós, suas maneiras de compreender e organizar o mundo. Talvez por isso devamos preservar os velhos mapas. Eles dão a ver as cidades que construímos como versões de seus construtores. Mapas são arqueologias possíveis, que acumulam camadas de significados. Cidade e mapas se entrelaçam: ele, ao tentar capturá-la; ela, ao deixar-se mapear. Como habitantes dessa cartografia, cabe-nos seguir nossos próprios mapas, traçando os feitos de nossa memória, na pequena geografia que encerra nossa individualidade.

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Imagem: PLANTA GERAL DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, 1919. Autor: João Moreira Maciel. Original impresso, colorido, tinta s/papel, com coordenadas geográficas, escala 1:125.000, com convenções, legendas e tabela de população. Impressão: Lithographia de Weingartner & Cia, Porto Alegre, 60,5X54,5 cm. Acervo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Cópia digital: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Sobre o mapa houve intervenções escritas para inserir dados de referência, como nome, título, instituição.