sexta-feira, 13 de abril de 2012

Maupassant

Guy de Maupassant (1850-1893)
Adoro Maupassant. Tenho sua obra em 17 volumes colocada em lugar de honra numa estante. Este fascinante escritor, insuperável mestre do conto, viveu pouco mais de quarenta anos, e morreu atormentado pela loucura. Seu O HORLA, na versão escrita em forma de diário, descreve em primeira pessoa os transtornos sofridos por alguém que narra os acontecimentos sobrenaturais com que se depara no dia-a-dia. Horla, — título do conto, — é nome próprio, palavra com que o autor batizou a criatura misteriosa que assombra o personagem que escreve o diário. Essa palavra, contudo, tem a mesma pronúncia da expressão hors là, que significa o que está fora daqui, o que se situa além. Uma de minhas passagens favoritas é esta:
12 de maio — Tenho um pouco de febre desde alguns dias; sinto-me sofrer ou, antes, sinto-me triste. De onde vêm essas influências misteriosas que transformam em desencorajamento nossa felicidade e nossa confiança em desespero? Dir-se-ia que o ar, o ar invisível está cheio de Forças desconhecidas, das quais nós sofremos a vizinhança misteriosa. Desperto cheio de alegria, com vontade de cantar na garganta. — Por quê? — Será um arrepio de frio que, roçando minha pele, abalou meus nervos e escureceu minha alma? Será a forma das nuvens, ou a cor do dia, a cor das coisas, tão variável, que, passando por meus olhos, perturbou meu pensamento? Sabe-se? Tudo aquilo que nos cerca, tudo aquilo que nós vemos sem enxergar, tudo aquilo em que roçamos sem conhecer, tudo aquilo em que tocamos sem palpar, tudo aquilo que encontramos sem distinguir têm sobre nós, sobre nossos órgãos e, através deles, sobre nossas idéias, sobre nosso coração ele mesmo, efeitos rápidos, surpreendentes e inexplicáveis. Como é profundo esse mistério do Invisível! Nós não o podemos sondar com nossos sentidos miseráveis, com nossos olhos que não sabem perceber nem o muito pequeno, nem o muito grande, nem o muito perto, nem o muito longe, nem os habitantes de uma estrela, nem os habitantes de uma gota d’água... Com nossos ouvidos que nos enganam, porque eles nos transmitem as vibrações do ar em notas sonoras. Eles são fadas que realizam esse milagre de transformar em ruído esse movimento e, através dessa metamorfose, dão nascimento à música que torna cantante a agitação muda da natureza... Com nosso olfato, mais fraco que aquele de um cão... Com nosso paladar que mal pode distinguir a idade de um vinho! Ah! Se nós tivéssemos outros órgãos que realizassem em nosso favor outros milagres, quantas coisas poderíamos descobrir ainda em torno de nós!
A propósito, é sobre uma passagem desse famoso conto de Maupassant, — O HORLA, — que estudiosos de psicologia coletiva se debruçaram, indicando-a, inclusive. Maupassant é citado por Rossi, por Sighele e por Ferri, entre outros. Vale a pena conhecer esta passagem do diário que, na obra, aparece com a data da Queda da Bastilha, passagem que chamou a atenção de muitos estudiosos das multidões:
14 de julho — Festa da República. Passeio pelas ruas. Os petardos e as bandeiras divertem-me como a uma criança. É, todavia, muito estúpido ser feliz em data fixa, por decreto do governo. O povo é uma tropa imbecil, ora estupidamente paciente e ora ferozmente revoltado. Diz-se-lhe: “Alegra-te.” Ele se alegra. Diz-se-lhe: “Vai bater-te com teu vizinho.” Ele vai bater-se. Diz-se-lhe: “Vota pelo Imperador.” Ele vota pelo Imperador. Depois, diz-se-lhe: “Vota pela República.” E ele vota pela República. Aqueles que o dirigem são também estúpidos; mas, em lugar de obedecer a homens, eles obedecem a princípios, os quais não podem ser senão nadas, estéreis e falsos, por isso mesmo que são princípios, quer dizer, idéias reputadas certas e imutáveis nesse mundo onde não se está seguro de nada, pois a luz é uma ilusão, pois o ruído é uma ilusão.