“Quando uma doutrina
seduz os homens, é menos pelo sofisma que ela lhes apresenta do que pelas promessas
que lhe faz. Ela tem mais poder sobre sua sensibilidade do que sobre sua
inteligência. Porque, se o coração é às vezes o engano do espírito, o espírito,
muito mais frequentemente, é o engano do coração. Um sistema não nos convence
porque nós o julgamos verdadeiro, mas nós o julgamos verdadeiro porque ele nos
convence, e o fanatismo político ou religioso, qualquer que seja o canal
teológico ou filosófico que ele percorra, tem sempre por fonte principal uma
necessidade premente, uma paixão secreta, uma acumulação de desejos profundos e
poderosos aos quais a teoria abre um mercado. No jacobino, como no puritano, há
uma fonte dessa espécie. — Aquilo que a alimenta no puritano são as ansiedades
da consciência alarmada que, imaginando a justiça perfeita, torna-se rigorosa e
multiplica as ordens que acredita dadas por Deus; constrangida a desobedecê-las,
revolta-se e, para impô-las a outrem, é imperiosa até o despotismo. Mas sua
primeira obra, completamente interior, é a repressão de si por si mesmo e,
antes de ser política, ela é moral — Ao contrário, no jacobino, a primeira
injunção não é moral, mas política. Não são seus deveres, mas seus direitos que
ele exagera, e sua doutrina, em lugar de ser uma ferroada para a consciência, é
uma adulação para o orgulho. Por enorme e insaciável que seja o amor próprio
humano, desta vez ele esta satisfeito, porque jamais se lhe ofereceu tão
prodigiosa refeição. Não procureis no programa da seita as prerrogativas
limitadas que um homem orgulhoso reivindica em nome do justo respeito que ele
deve a si próprio, quer dizer, os direitos civis completos com o cortejo das
liberdades políticas que lhes servem de sentinelas e de guardiãs, a segurança
dos bens e da vida, a estabilidade da lei, a independência dos tribunais, a
igualdade dos cidadãos diante da justiça e sob o imposto, a abolição dos
privilégios e da arbitrariedade, a eleição de deputados e a disposição da bolsa
pública: eis preciosas garantias que fazem de cada cidadão um soberano
inviolável em seu domínio restrito, que defendem sua pessoa e sua propriedade
contra toda opressão ou exação pública ou privada, que o mantêm tranquilo e de
pé em face de seus concorrentes e adversários, de pé e respeitoso em face de
seus magistrados e do próprio estado. Os Malouet, os Mounier, os Mallet du Pan,
os partidários da constituição inglesa e da monarquia parlamentar podem contentar-se
com um tão humilde presente: a teoria faz o mercado e, em caso de necessidade,
caminhará sobre ele como se fosse pó. Não é a independência e a segurança da
vida privada que ela promete, não é o direito de votar todos os anos, uma simples
influência, um controle indireto, limitado, intermitente da coisa pública. É o
domínio político, ou seja, a propriedade
plena e integral da França e dos franceses. Nenhuma dúvida sobre esse
ponto: segundo os próprios termos de Rousseau, o contrato social exige “a
alienação total de cada associado com todos os seus direitos à comunidade, cada
um se doando inteiramente, tal como se encontra atualmente, ele e todas as suas
forças, das quais os bens que ele possui fazem parte”, de tal modo que o
Estado, senhor reconhecido, não apenas de todas as fortunas, mas também de
todos os corpos e de todas as almas, pode legitimamente impor à força a seus
membros a educação, o culto, a fé, as opiniões, as simpatias que lhe convém. —
Ora, cada homem, por sozinho que seja este homem, é de direito membro desse
soberano despotismo. Assim, quaisquer que sejam minha condição, minha incompetência,
minha ignorância e a nulidade do papel do qual eu esmoreço sempre, tenho pleno
poder sobre os bens, as vidas, as consciências de vinte e seis milhões de
franceses e, pela minha cota parte, eu sou czar e papa” (TAINE, Hippolyte, Les origines de la France contemporaine. La
révolution : la conquête jacobine. Paris : Editions Robert Laffont,
collection Bouquins, 1986. Disponível em : <http://classiques.uqac.ca/>. Acesso em : 26/12/2017.
Obs.: Tradução livre da autora.
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