quarta-feira, 13 de junho de 2018

Projeto de Pesquisa - A Psicologia Coletiva como resposta ao problema da criminalidade das multidões: uma perspectiva histórica


“Considerando isoladamente, os individuos são calmos e inoffensivos, agglomerados, a menor fagulha os inflamma e os arrasta aos actos mais sinistros” ― disse Evaristo de Moraes (1904, p. 185), em artigo intitulado “As multidões criminaes” e publicado em “Os Annaes”, semanário voltado à literatura, arte, ciência e indústria. A frase, que encerra o artigo, é dramática.  Ela reflete uma preocupação da época, além de consistir em exemplo de popularização de um pensamento científico que a imprensa, por sua vez, não se furtava de promover, posicionando-se, inclusive. Era a Psicologia Coletiva que surgia sob esta denominação que toma ao final do século XIX. Não obstante inerente a saberes psicológicos, a Psicologia Coletiva foi suscitada no mundo a partir de uma perspectiva jurídica e tendo em vista responder a questões inquietantes, também do ponto de vista do Direito Penal. Porque era preciso encontrar meios de punir um tipo de criminalidade que se incrementava a partir da segunda metade do século XIX. Eram os crimes cometidos pelas multidões, crimes cuja autoria não era facilmente identificada ou mesmo identificável muitas vezes[1]. Crimes considerados terríveis, não raro brutais, a desafiar o mecanismo penal, que quedava inerte, paralisado, impotente para agir, uma vez que o Estado Juiz só poderia imputar pena a crimes cuja autoria fosse certa, conhecida, identificada em ação — ou ações, fosse o caso — individual e voluntária, voltada à produção de um resultado-crime, em regra, doloso, ou seja, livremente desejado. Isso exigia fossem desvendados os mecanismos ensejadores do aparecimento desse fenômeno social, que reclamava uma psicologia que lhe fosse específica, uma psicologia das multidões que o jurista italiano Enrico Ferri chamou de Psicologia Coletiva.



[1] Bem a propósito, Gabriel Tarde (1895, p.1): “Até os nossos dias, ao longo de toda a duração dessa crise de individualismo que, desde o último século, tem causado estragos em toda parte, em política e em economia política, como em moral e em direito, mesmo em religião, o delito passava por ser aquilo que havia de mais essencialmente individual no mundo; e, entre os criminalistas, a noção do delito indiviso, por assim dizer, perdera-se, como também, entre os próprios teólogos, a ideia do pecado coletivo, senão absolutamente aquela do pecado hereditário. Quando os atentados de conspiradores, quando as façanhas de uma súcia de bandidos forçaram a reconhecer a existência de crimes cometidos coletivamente, apressou-se em transformar esta nebulosa criminal em delitos individuais distintos, dos quais essa nebulosa era apenas a soma. Mas, no presente, a reação sociológica ou socialista contra essa grande ilusão egocêntrica deve, naturalmente, dirigir a atenção para o lado social das ações que o indivíduo se atribui erroneamente”. 

Imagem: Enrico Ferri. Fonte: Creative Commons.


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