Ouro e vida eterna, a eterna juventude. Elementos que não se reduzem a simples fantasias marginais ou curiosidades históricas. Muito ao contrário, são universais humanos. Onde quer que o homem se reconheça como tal — independente, autoconsciente e diferenciado das demais espécies biológicas — ali estarão o fascínio pelo ouro e a recusa em aceitar passivamente a própria finitude.
Não é temerário afirmar que ouro e imortalidade antecedem sistematizações filosóficas. São como intuições profundas, quase evidências afetivas, que atravessam tempos e lugares. Animais são indiferentes ao ouro; tampouco se angustiam diante da finitude. Já o homem projeta valores simbólicos nessa dupla obsessão, que nos diz menos sobre o mundo natural e mais sobre a condição humana.
É nesse ponto que me ocorre a alquimia e a profundidade de suas origens. Essa prática — arte, ciência, disciplina ou persistência — revela-se particularmente fecunda como objeto de reflexão no campo da memória e mesmo da história. Longe de ser apenas um conjunto arcaico de práticas protoquímicas ou uma superstição pré-científica, gosto de pensar a alquimia como um tipo especial de expressão material da consciência humana. Ela articula, de maneira exemplar, o desejo de transformação da matéria com a esperança de transformação do próprio ser.
Se, de um lado, despertou a ambição em alguns, em outros o ouro era, mais que o metal, a metáfora condensada de perfeição, da incorruptibilidade e da permanência. O elixir não remedia somente o medo da morte. Ele afia a consciência da finitude e a recusa em aceitá-la como destino silencioso.
A alquimia não responde apenas a esses desejos. Sua importância maior talvez seja no estímulo que opera na imaginação, a ponto de alavancar o surgimento de uma linguagem simbólica, polissêmica, essencialmente semiótica. A alquimia não vale apenas por suas ambições literais, que afetam muitos em suas fraquezas. Não se trata das vítimas do reducionismo místico, que tomam seus desejos como crença e devoção. Tampouco é caso de um reducionismo instrumental, típico dos embusteiros que provocam o desejo alheio para usá-lo como variável manipulável. A alquimia vale porque, revelando os aspectos místico e instrumental que ela suscita, dá testemunho histórico da condição humana e de nossa impressionante capacidade de imaginar e de criar.
Quando se assimila alquimia ao misticismo vulgar e intelectualmente pobre, é fácil reduzi-la a erro, patologia ou fraude. Uma desconstrução inteligente, ao contrário, preserva aquilo que nele é produtivo para a imaginação, sem capitular diante de suas pretensões literais. O protocolo recomenda que se use do fio da navalha, estabelecendo critérios claros e precisos. Afinal, a alquimia acontece onde a imaginação e a realidade se tocam. Ela não é marginal à cultura. É constitutiva. A vida social não prescinde de zonas simbólicas, nas quais o real ainda não é nítido. A compreensão dos desejos talvez seja a chave heurística para compreensão de práticas, narrativas, símbolos e instituições ao longo do tempo.
Imagem: LA CLEF DE LA GRANDE SCIENCE SUR L’OUVRAGE PHILOSOPHIQUE INCONNU JUSQUES À PRÉSENT ((BnF, Ms-6577. Bibliothèque de l'Arsenal, Ms-6577, fol. 1–32.

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