sexta-feira, 6 de junho de 2025

Literatura: o lugar do segredo

Uma confidência para terminar.
Talvez eu tenha apenas querido confiar — ou confirmar — meu gosto (provavelmente incondicional) pela literatura, mais precisamente pela escrita literária. Não que eu ame a literatura em geral, nem que a prefira a qualquer outra coisa — por exemplo, como pensam frequentemente aqueles que, no fim das contas, não discernem nem uma coisa nem outra — à filosofia. Não que eu queira reduzir tudo a ela, e sobretudo não à filosofia. A literatura, eu posso me passar dela, no fundo — e, de fato, com bastante facilidade. Se eu tivesse de me retirar para uma ilha, seriam, no fundo, livros de história, memórias, que eu levaria comigo, sem dúvida, e que leria à minha maneira — talvez para fazer disso literatura, a menos que fosse o contrário. E isso valeria para outros livros também (em arte, filosofia, religião, ciências humanas ou naturais, direito, etc.). Mas se, sem amar a literatura em geral e por ela mesma, eu amo algo nela que sobretudo não se reduz a alguma qualidade estética, a alguma fonte de prazer formal, seria o lugar do segredo. O lugar de um segredo absoluto. Aí estaria a paixão. Não há paixão sem segredo — este segredo aqui —, mas também não há segredo sem esta paixão. O lugar do segredo: onde, no entanto, tudo é dito e onde o que resta não é nada — senão o resto, nem mesmo literatura.

Derrida, J. (1993). Passions (pp. 63–64). Paris: Éditions Galilée.

Nesse fragmento comovente de Passions, Jacques Derrida revela o que pode ser considerado o cerne mais íntimo da literatura: o lugar do segredo. Não é o belo que o atrai, nem o prazer estético ou o deleite formal. O que lhe move é aquilo que na literatura escapa à definição, à captura, à explicitação — esse "segredo absoluto" que não se deixa domesticar.

Ao declarar que “aí estaria a paixão”, Derrida sugere que a verdadeira força da literatura não reside no que ela diz, mas naquilo que ela resguarda, no não-dito que pulsa por trás das palavras. É essa ausência densa, esse silêncio cheio, que confere à literatura um valor existencial e cultural insubstituível — como um bem simbólico que atravessa gerações, justamente por não se deixar esgotar nunca.

Derrida começa com uma confidência: talvez tenha querido apenas confessar seu amor pela escrita literária. Mas faz isso por meio de uma negativa, ou melhor, de uma série de afastamentos — ele não ama “a literatura em geral”, nem a prefere à filosofia, nem deseja reduzi-la a nenhuma estética. Ao contrário, afirma que poderia viver sem ela. E, no entanto, é justamente esse “em torno”, esse quase desamor, que revela sua paixão mais autêntica: ele ama o que na literatura não se revela, o que permanece guardado, secreto, talvez inalcançável — mas sempre presente.

Esse gesto de Derrida — nomear o que não se diz — é profundamente literário, mas também cultural. No campo da memória social, a literatura opera como um dos lugares onde se depositam não apenas os fatos ou os discursos, mas também os vazios, os silêncios e os enigmas da experiência humana. Ela carrega consigo uma memória que não se deixa traduzir em arquivos ou documentos. É, por isso, um bem cultural singular: ao mesmo tempo presença e ausência, linguagem e intervalo, confidência e silêncio.

Derrida nos lembra que não há paixão sem segredo — mas tampouco há segredo sem essa paixão silenciosa que é a própria escrita. O que a literatura nos oferece, no fim, não é apenas um espelho do mundo, mas o reflexo de um desejo: o desejo de tocar o que não se toca, de dizer o que não se diz.

 

 

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