quinta-feira, 19 de junho de 2025

Anatomia dos Sentimentos do Eu, segundo Wilhelm Stekel

Você conhece Wilhelm Stekel (1868-1940)? Esse psicanalista austríaco faz parte da história da psiquiatria. Inicialmente próximo de Freud, ele foi membro fundador da Sociedade Psicanalítica de Viena. Depois desenvolveu sua própria abordagem e rompeu com o círculo freudiano em 1912. Sua abordagem clínica em psicanálise era direta e intuitiva. Foi pioneiro no estudo dos sonhos, da linguagem simbólica e, especialmente, das neuroses e dos conflitos emocionais do cotidiano.

Stekel captava a essência dos sentimentos humanos, expondo-os de modo preciso. Uma de suas contribuições mais fascinantes diz respeito à sua compreensão da personalidade e dos mecanismos que governam nosso senso de identidade, e é isso que vamos expor aqui.

Para Stekel, "o homem é como ele se sente". Nessa frase simples, ele condensa toda uma teoria sobre a natureza da experiência humana. O que ele chama de "sentimento do eu" é nossa própria personalidade em ação. É a maneira como nos percebemos e nos posicionamos no mundo. Este sentimento, por sua vez, repousa sobre quatro pilares fundamentais: o amor próprio, o respeito, a confiança e a consciência de si. Contudo, há nisso algo de paradoxal: esse sentimento do eu, por mais íntimo e pessoal que pareça, não possui fontes autônomas, porque depende, fundamentalmente, do amor, do respeito, da confiança e do reconhecimento dos outros. Nossa autoestima é, portanto, uma construção social que se alimenta e que se confirma através do olhar alheio: tribunal invisível que nos avalia, valida ou invalida em termos pessoais. De tal dependência resulta nossa vulnerabilidade. Ataques que atingem os sentimentos do eu, mesmo indiretos, geram desprazer. Eles ameaçam a frágil e delicada estrutura de reconhecimento mútuo que sustenta nossa identidade. Stekel observa que há múltiplas maneiras pelas quais o eu se relaciona com o ambiente, e cada uma delas pode se tornar uma porta de entrada para feridas narcísicas.

O mais frequente desses sentimentos desagradáveis, segundo Stekel, é a inveja: a dolorosa convicção de que o patrimônio material ou espiritual do outro supera o nosso. A inveja, esse sentimento primordial, revela a nossa natural tendência à comparação e nossa dificuldade em aceitar a desigualdade inerente à condição humana.

Os ciúmes, por sua vez, representam uma modalidade específica de inveja: a "inveja erótica", o desprazer que nasce da convicção de que o outro é mais amado do que nós. Stekel vê no ciúme um sentimento egoísta que emerge quando a personalidade se sente ferida e não consegue mais sustentar o amor-próprio. É um sentimento primitivo que se opõe a nossas aspirações estéticas e culturais, revelando aspectos arcaicos de nossa psique.

O amor-próprio — que Stekel equipara ao narcisismo — exige do meio uma função especular. Precisamos do mundo como espelho que nos envie uma imagem satisfatória de nós mesmos. O amor, nessa perspectiva, revela sua natureza essencialmente egoísta: "te quero, porque me queres". É uma equação que supõe reciprocidade e que se justifica por meio do desejo mútuo. Uma lógica, porém, que contém em si o germe de sua destruição. Se o amor se baseia na correspondência, ele está sempre à beira de se transformar em ódio quando essa correspondência falha. A fórmula se inverte com facilidade desconcertante: "te odeio, porque não me queres". É por isso que o amor está sempre pronto a se transformar em ódio, visto o compartilhamento que ambos fazem de uma mesma estrutura narcísica básica.

Os ciúmes são a resultante do sentimento da personalidade ferida. Misturando malícia com desconfiança, o ciúme hipertrofia o amor-próprio e, paradoxalmente, soma a isso um sentimento de inferioridade de igual magnitude. É como se o ciumento vivesse simultaneamente uma inflação e uma deflação do ego, ao sentir-se simultaneamente superior na arrogância e inferior na insegurança. Stekel nos oferece sobre isso uma observação psicológica profunda: "Quem crê em si não é ciumento. Quem confia em si, confia nos outros." O ciúme revela, portanto, uma falha na autoconfiança que se projeta sobre o mundo externo. É a projeção das próprias deficiências sobre os demais que alimenta esse amor-próprio brutal e primitivo, tão característico da vida instintiva. Não é à toa que as crianças sejam naturalmente ciumentas. Elas ainda não desenvolveram os mecanismos de autorregulação emocional e de confiança em si mesmas que permitiriam uma forma mais madura de amor-próprio. O ciúme infantil nos lembra que carregamos, mesmo na vida adulta, essas camadas primitivas de funcionamento psíquico.

As observações de Stekel sobre os sentimentos do eu continuam relevantes mesmo depois de décadas. Elas são pertinentes a aspectos fundamentais da experiência humana que transcendem épocas e culturas. Vivemos numa sociedade cada vez mais conectada, onde as comparações sociais se multiplicam e se intensificam através das redes sociais e dos meios digitais. Talvez nunca tenha sido tão atual refletir sobre como nosso senso de identidade depende do reconhecimento alheio e como isso nos torna vulneráveis a sentimentos como inveja e ciúme. A genialidade de Stekel está em nos mostrar que esses sentimentos, por mais desconfortáveis que sejam, fazem parte da própria estrutura de nossa personalidade. Compreendê-los não significa eliminá-los, mas reconhecer sua função na economia psíquica e, talvez, encontrar formas mais maduras e construtivas de lidar com eles.

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