terça-feira, 30 de outubro de 2018

Como surgiu a expressão "Psicologia Coletiva"?


             Dentre os que procuraram estudar a psicologia coletiva, parti de quem a teria nomeado e definido como elo entre a psicologia, voltada ao estudo do indivíduo, e a sociologia, voltada ao estudo da sociedade. Trata-se de Enrico Ferri (1856-1929). Detalhe: a nomeação e a definição de psicologia coletiva constam da segunda edição de uma obra voltada ao Direito, e ao Direito Penal, mais especificamente ainda ao processo penal: I nuovi orizzonti del Diritto e della Procedura penale (Nicola Zanichelli, 1884). Só posteriormente, em nova edição publicada na França, esta mesma obra aparece com o título: La Sociologie Criminelle (1914).
            A nota da edição francesa destaca que as atividades manifestadas por um grupo de homens não se confundem com as atividades manifestadas por uma sociedade inteira. Isso sugeria, para Ferri, que poderia haver um elo entre a psicologia e a sociologia, elo que ele batiza como psicologia coletiva, voltada ao estudo de grupos de indivíduos que podem se apresentar reunidos em caráter acidental ou permanente. O campo de observação da psicologia coletiva, para Ferri, estaria voltado àquelas reuniões de caráter mais ou menos adventício, que ele mesmo exemplifica, citando vias públicas, marchas, bolsas, oficinas, teatros, comícios, assembleias, colégios, escolas, casernas, prisões, etc.
     Este batismo da psicologia coletiva é reivindicado pelo próprio Ferri em correspondência que manteve com Scípio Sighele (1868-1913), correspondência esta publicada na França, em 1901, na obra, tornada clássica, intitulada La foule criminelle. Essai de psychologie collective. Possível também a conferência in loco desta reivindicação: "A psicologia coletiva, – como eu a batizei desde a 2ª edição de Nuovi orizzonti, – recebeu uma organização muito vigorosa pelos estudos geniais, e com justiça louvados, de meu muito querido amigo Sighele" (SIGUELE, 1901, p. 177).
Portanto, seguindo estas pistas deixadas por quem reivindica ter sido o primeiro a nomear esse “elo”, temos que Ferri não a chamou de ciência, talvez porque ainda não tivesse suas leis adequadamente identificadas e estabelecidas. Emprego esse mesmo termo leis, porque era uma expressão comum utilizada pelos praticantes das ciências que exibiam então, no XIX, seu caráter experimental em oposição ao metafísico do qual era preciso afastar-se nesses tempos de fin de siècle.
 
  A propósito desse quem é quem da psicologia coletiva, destaco a importância de dois autores italianos, Ferri e Sighele, e não há como deixar de citar também um autor francês que não mereceu, da parte de Sighele, a mesma menção gratidão que este último debitou a Gabriel Tarde (1843-1904) e a Victor Cherbuliez (1829-1899). É que no prefácio de La foule criminelle. Essai de psychologie collective, tais autores foram identificados como aqueles que “longa e lealmente” teriam discutido a teoria de Sighele. Gustave Le Bon é citado e Sighele reconhece sua importância, não obstante deixe claro tratar-se de um autor que teria feito uso de suas observações sem citá-lo, todavia. E diz mais: que não havia ironia nesse agradecimento, porque a adoção de suas ideias sem qualquer menção a sua pessoa seria “o gênero de elogio menos suspeito que nos pode ser endereçado”.
De qualquer sorte, os trabalhos de Gustave Le Bon (1841-1831), mormente sobre a psicologia das multidões, tiveram grande repercussão, talvez porque sua linguagem bem como a clareza com que posicionava do ponto de vista social e político permitisse ampla popularização de suas ideias. Na mesma esteira, embora mais tarde e fora do eixo Itália e França, Ortega y Gasset (1883-1955) com sua La rebelión de lãs masas (1930) pode e deve ser lembrado, especialmente pelo fato de contribuir para a popularização dessas ideais, na linha da temibilidade das multidões e das massas, conceito que adquiria cada vez mais consistência.


domingo, 21 de outubro de 2018

Novas perspectivas

Abordar campos do saber inovadores que, por sua própria natureza, possuem efeito deletério sobre muitos ícones culturais tidos por imutáveis, permanentes, mesmo eternos, não é sem certa inquietação. Acostumados à zona de conforto propiciada pela estabilidade que conferimos às coisas, pensar o mundo a partir do que ele apresenta de essencial em sua concretude requer, sim, uma disposição especial de espírito. Além disso, as ditas fronteiras mantidas entre as disciplinas acabam por gerar apropriações de termos que terminam por não significar mais nada além de meras palavras ou expressões. Presos a uma codificação rígida, congelam, e esta mesma rigidez termina por inviabilizar o pensamento, sobretudo, o pensamento criativo, que reclama liberdade e flexibilidade.
O terreno artístico é fecundo e comporta ousadias.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Como assim, humanidade?

O estatuto biológico é insuficiente para conferir humanidade. Tampouco a Criação, a condição de obra que porventura refletisse imagem e semelhança de um Criador. Nosso tempo é aquele que condiciona nossa humanidade a um aval político, porque ela é mera concessão, um favor que nos é conferido ou negado pelo Estado.

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quarta-feira, 17 de outubro de 2018

O espírito da lei

"O que pode valer o elemento histórico diante da clareza do texto legal? Responda a este argumento o maior dos jurisconsultos deste século, depois de Merlin, o célebre professor da Universidade de Gand, o sábio belga Frederico Laurent: 'Quando o texto da lei é claro, quando o legislador exprime bem lucidamente seu pensamento, procurar dar outra interpretação ao que está escrito na lei é substituir a vontade do legislador pela vontade do intérprete. Dizem que é preciso compreender o espírito da lei. Mas este espírito, isto é, a expressão autêntica da vontade do legislador, está perfeitamente indicado na clareza do texto'."

CASTRO, Viveiros de. Questões de Direito Penal. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, Livreiro - Editor, 1900, p. 356.

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sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Reflita-se

A chamada "moralidade" se formaria "naturalmente"? Estaria ela sujeita à mesma naturalização que se pode atribuir à formação de nossa individualidade, produto histórico do ambiente no qual o homem se socializa?  A saber se haveria, em qualquer distante
horizonte, uma idealidade ética em cada consciência individual, não obstante a diversidade dos ambientes que originam, por certo, tantas variedades individuais.
É que a ética preocupa.
Sobretudo no momento atual, quando sua relativização se tornou absolutamente indisfarçável.