A expressão psicologia coletiva ou psicologia social é frequentemente compreendida num sentido quimérico que importa, desde logo, descartar. Tal sentido consiste em conceber um espírito coletivo, uma consciência social, um nós que existiria fora ou acima dos espíritos individuais. Não temos qualquer necessidade, segundo nosso ponto de vista, dessa concepção misteriosa, para estabelecer, entre a psicologia ordinária e a psicologia social — que chamaremos interespiritual — uma distinção bastante nítida. Enquanto a primeira, com efeito, liga-se às relações do espírito com a universalidade dos outros seres exteriores, a segunda estuda, ou deve estudar, as relações mútuas dos espíritos, suas influências unilaterais e recíprocas — unilaterais primeiro, recíprocas depois. Logo, existe entre ambas, a psicologia ordinária e a psicologia social, a diferença do gênero à espécie. Mas a espécie, aqui, é de uma natureza tão singular e tão importante que deve ser destacada do gênero e tratada por métodos que lhe sejam próprios.
Os diversos estudos que se vão ler são fragmentos da psicologia coletiva assim entendida. Um estreito liame os une. Pareceu necessário reeditar aqui, para colocá-las em seu devido lugar, o estudo sobre as multidões que figura em apêndice no final do volume[1]. O público, com efeito, objeto especial do estudo principal, é uma multidão dispersa, onde a influência dos espíritos, uns sobre os outros, torna-se uma ação à distância, a distâncias cada vez maiores. Enfim, a Opinião, resumo de todas essas ações de perto ou a distância, é, para as massas e para os públicos, aquilo que o pensamento é, de qualquer sorte, para o corpo. E se, entre essas ações das quais ela resulta, se procurar qual é a mais geral e a mais constante, percebe-se, sem dificuldade, que é esta relação social elementar: a conversação, inteiramente negligenciada pelos sociólogos.
Uma história completa da conversação entre todos os povos e em todas as épocas seria um documento de ciência social do mais alto interesse, e não é duvidoso que, malgrado as dificuldades de um tal assunto, se a colaboração de numerosos pesquisadores conseguisse superá-las, resultaria dessa aproximação dos fatos recolhidos sob esse ponto de vista nas mais diferentes raças, um número considerável de ideias gerais próprias a fazer da conversação comparada uma verdadeira ciência não longe da religião comparada ou da arte comparada ou mesmo da indústria comparada, ou seja, da Economia Política.
Mas, bem entendido, não pude pretender, em algumas páginas, traçar o desenho de semelhante ciência social. À falta de informações suficientes mesmo para esboçá-la, pude apenas indicar seu lugar futuro, e ficaria feliz se, lamentando esta ausência, sugerisse a algum jovem trabalhador o desejo de preencher esta grande lacuna.
G. Tarde
Maio de 1901
[1] Na Revue des Deux Mondes, em dezembro de 1893; depois, na Mélanges Sociologiques (Storck & Masson, 1895). Os outros estudos apareceram em1898 e1899 na Revue de Paris.
Nenhum comentário:
Postar um comentário