"É a partir do século XVIII, e particularmente depois da Revolução, que
o político se infletiu de uma maneira decisiva. Ele se encarrega de uma
referência social, o social se apodera dele. No mesmo momento começa a
ser representação, seu jogo é dominado pelos mecanismos representativos
(o teatro segue um destino paralelo: torna-se um teatro representativo - o
mesmo acontece com o espaço perspectivo: de instrumental que era no
início, torna-se o lugar de inscrição de uma verdade do espaço e da
representação). A cena política se torna a cena da evocação de um
significado fundamental: o povo, a vontade do povo, etc. Ela não trabalha
mais só sobre signos, mas sobre sentidos, de repente eis que é obrigada a
significar o melhor possível esse real que ela exprime, intimada a se tornar
transparente, a se mobilizar e a responder ao ideal social de uma boa
representação. Mas durante muito tempo ainda haverá um equilíbrio entre a
esfera própria do político e as forças que nele se refletem: o social, o
histórico e o econômico. Este equilíbrio sem dúvida corresponde à idade de
ouro dos sistemas representativos burgueses (a constitucionalidade: a
Inglaterra do século XVIII, os Estados Unidos da América, a França das
revoluções burguesas, a Europa de 1848).
É com o pensamento marxista em seus desenvolvimentos sucessivos
que se inaugura o fim do político e de sua energia própria. Nesse momento
começa a hegemonia definitiva do social e do econômico, e a coação, para
o político, de ser o espelho, legislativo, institucional, executivo, do social. A
autonomia do político é inversamente proporcional à crescente hegemonia
do social.
O pensamento liberal sempre viveu de uma espécie de dialética
nostálgica entre os dois, mas o pensamento socialista, o pensamento
revolucionário postula abertamente uma dissolução do político no fim da
história, na transparência definitiva do social.
O social triunfou. Mas a esse nível de generalização, de saturação,
em que só há o grau zero do político, a esse nível de referência absoluta, de
onipresença e de difração em todos os interstícios do espaço físico e
mental, o que se torna o próprio social? É o sinal de seu fim: a energia do
social se inverte, sua especificidade se perde, sua qualidade histórica e sua
idealidade desaparecem em benefício de uma configuração em que não só
o político se volatilizou, mas em que o próprio social não tem mais nome.
Anônimo. A MASSA. AS MASSAS."
BAUDRILLARD
Fonte: BAUDRILLARD, Jean. À SOMBRA DAS MAIORIAS SILENCIOSAS. O fim do social e o surgimento das massas. Tradução: Suely Bastos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1885, pp. 11-12.
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