III. O
sentimento de fadiga
Passemos agora ao sentimento de fadiga, que aparece muito frequentemente
no retardo da ação, na tristeza, etc.
Estudou-se por um longo tempo a fadiga com grande interesse; depois, abandonou-se
este estudo, na falta de não se haver colocado adequadamente a questão.
Nos estudos que foram realizados, houve preocupação com três pontos
principais:
1º ― O sentimento de fadiga considerado como fenômeno puramente
espiritual.
2º ― O esgotamento, ou seja, as manifestações do corpo na fadiga. O
esgotamento correspondeu do ponto de vista fisiológico, à fadiga considerada do
ponto de vista psicológico.
3º ― Os fenômenos de repouso.
O segundo ponto, o esgotamento, é o que foi mais estudado. Realizaram-se
estudos sobre as funções viscerais. Constataram-se modificações na digestão, na
respiração, nos movimentos cardíacos, modificações musculares. Observou-se que
os movimentos eram alterados, incorretos, enfraquecidos. Estabeleceram-se
curvas da fadiga com o auxilio de aparelhos registradores (ergógrafos).
Estudaram-se modificações das operações aritméticas, correções de provas de
impressão, prolongadas ao longo de horas consecutivas. Consultem sobre isso as
obras de Galton: ele sinala, por exemplo, que o rubor de uma orelha seguido
imediatamente após de palidez é um sinal certo de fadiga. Do mesmo modo, quando
uma orelha está vermelha e a outra branca. Todas essas observações de modo
algum resolveram o problema. A psicofisiologia não porque ficamos fatigados.
Aliás, o esgotamento pode se manifestar sem estar acompanhado de
trabalho e dispêndio de forças: por exemplo, na febre tifoide e muitas outras
doenças.
Existem, neste método, muitas confusões que há muito tempo vêm
desorientando os pesquisadores. O fenômeno do repouso, por exemplo, que se
relaciona à fadiga, não se relaciona ao esgotamento ou pelo menos não é dele um
elemento.
De outro ponto de vista, o esgotamento é passivo enquanto a fadiga é uma
conduta ativa. A gripe me esgota, não obstante eu nada faça para esgotar-me: a
fadiga é voluntária. Nós nos interrogamos, nos perguntamos se daremos
continuidade à ação ou se a deteremos, tomando uma decisão. Administramos,
paramos, ou bem damos continuidade à ação, mas se quisermos e como quisermos. O
esgotamento passivo pode ocorrer ao mesmo tempo em que a fadiga, mas a fadiga
em si tem sempre um caráter ativo.
Uma importante consideração, que vai esclarecer essas questões, é a
existência de delírios de fadiga. Há, primeiro, delírios negativos, nos quais
se nega o sentimento de fadiga, ou mesmo, às vezes, ela não existe realmente.
Permite-se, então, praticar uma grande atividade que termina em esgotamento,
mas que, como se verá, é inteiramente desprovido do sentimento de fadiga. Por
outro lado, há pacientes que se dizem a si próprios e que se sentem
terrivelmente fatigados, e não apresentam, todavia, nenhum dos sinais
fisiológicos característicos do esgotamento. Existe aí uma mentira? Seria esta
uma explicação verdadeiramente muito simples e fácil demais.
Como então considerar o problema? Devemos nos colocar no ponto de vista
ativo e, acima de tudo, examinar o ato de repouso, que é o fenômeno essencial
da fadiga.
Na fadiga há uma certa conduta. Quando regulamos nossas ações,
intervimos ativamente não apenas pelo esforço, mas pelo repouso, pelo desejo,
pelo pensamento do repouso. A conduta do repouso transforma a ação principal: é
uma conduta de parada, de supressão desta ação primária. Sabe-se que a ação é
desencadeada por uma excitação, uma simulação. Quando e por que ela se detém?
Ele desaparece primeiro se a estimulação exterior desaparece ela mesma. Ela
desaparece ainda se a carga da tendência for suprimida. (Um exemplo deste
último caso é aquele de um epiléptico que se esgota após o acesso). Essas explicações
são válidas para os casos mais simples, mas não para condutas superiores e
ações complexas. Estas são acionados por múltiplas causas que não desaparecem
todas de uma só vez. Por outro lado, o esgotamento de forças raramente é
completo; o esgotamento epiléptico é uma exceção. Lembremo-nos da intervenção
do esforço contínuo, que ajuda a ação graças ao concurso de todo o corpo, e das
cargas de outras tendências além da tendência principal. Para deter essas ações
complexas, uma conduta de parada deve, portanto, intervir: a fadiga é essa
conduta especial de parada da ação.
É preciso observar que na fadiga há apenas uma parada momentânea: é uma
pausa, um freio, mas não uma parada definitiva sem intenção de retomada. A
tendência principal não é, pois, suprimida na fadiga. É uma simples suspensão
depois da qual se deve poder retomar a ação interrompida: por exemplo, se
estivermos fatigados da leitura de um livro, nós o colocamos de lado, mas não o
atiramos no fogo.
No que se torna, então, a ação primária transformada pelo sentimento?
Outra ação deve se apoderar da carga que a primeira ação colocou em jogo: a
ação primária é substituída, na fadiga, pela ação, ou melhor, pelas ações, isto
é, a conduta de repouso. É necessário saber repousar, tomar as atitudes apropriadas,
que não são as mesmas atitudes convenientes para todos, que não são as mesmas
para todos os casos nem para todos os indivíduos. A atitude de descanso não é
aquela do coma. Não se repousa na caminhada como no estudo, de uma subida como
da dança ou da execução de um trecho de piano. É necessário calcular a
quantidade ações que constituem a conduta do repouso. Se o repouso for mal
planejado, haverá desordens, distúrbios e até agitação. Ao contrário, se
repousarmos bem, se o repouso for bem planejado, não haverá perturbações, mas
uma recuperação de forças.
Se o sentimento de fadiga se traduz pela prática de uma conduta
particular, ele deve ter sua utilidade. Qual a razão de ser desta conduta de
repouso? A fadiga e o repouso são precauções contra o esgotamento. O
esgotamento é um mal que é necessário evitar. Os homens bem ajustados conhecem
os indícios, os ligeiros sinais precursores do esgotamento e, antes mesmo de
sentirem este último, eles o previnem pela conduta do repouso.
Como se produz a reação do repouso, o sentimento de fadiga? De um modo
provavelmente variado ao infinito e que depende de casos e de indivíduos.
Existe a questão de ajustados e desajustados: para-se às vezes a tempo,
frequentemente muito cedo ou muito tarde. O repouso é então de qualidade muito
diferente conforme pessoas e circunstâncias. Cada qual acredita conhecer os
sinais da fadiga, os problemas que surgem na realização da ação primária, mas
qualquer um pode errar aqui e, muito frequentemente, erros são cometidos.
Uma desordem na ação primária seria então o ponto de partida comum ao
esforço e à fadiga. Esses dois sentimentos tão diferentes teriam a mesma
origem! Por surpreendente que seja, devemos admitir esta solução. Mas é preciso
evitar confundir por isso os dois sentimentos: é apenas no ponto de partida que
se assemelham, nada mais.
A reação do esforço se produz primeiro frequentemente. Depois, se o
esforço não corrige as perturbações da ação, uma segunda reação, aquela da
fadiga e do repouso, intervém então. Por exemplo, depois de haver caminhado
muito, frequentemente se tropeça: começa-se a fazer um esforço para não mais
tropeçar; se este esforço falha, então se pensa na fadiga, no repouso: paramos
um instante.
A fadiga substitui, pois, o esforço pela parada, a suspensão. O interesse,
em vez de aumentar, diminui. O esforço tem, nesse ponto, consequências opostas
às da fadiga. Lembremo-nos das experiências feitas com ciclistas que são
obrigados a correr durante horas consecutivas: vê-se o interesse aumentar,
diminuir, desaparecer, segundo haja esforço ou fadiga mais ou menos grandes.
A sensação de fadiga pode ser combinada com outras condutas, de onde
múltiplas variedades. Se houver desejo, e a ação cessar nesse momento, a
sensação de fadiga se torna a sensação de desgosto.
Se a fadiga se produz no final da ação, há sentimento de indiferença,
término da ação sem gozo, sem prazer nem triunfo.
A preguiça é uma fadiga particular, que se relaciona com certas ações
que se executa sem prazer.
Poderemos examinar muitas outras variedades interessantes da fadiga,
fadiga resultante da atenção, da vigília, do jogo, etc. Todas essas variedades
se relacionam à mesma conduta fundamental: a parada momentânea da ação pela
conduta do repouso.
JANET,
Pierre. L’amour et la haine. Notes
de cours recueillies et rédigées par
M. Miron Epstein. Cours dispensé en 1924-1925 au Collège de France. Paris : Éditions médicales Norbert Maloine, 1932, 308 pp.
M. Miron Epstein. Cours dispensé en 1924-1925 au Collège de France. Paris : Éditions médicales Norbert Maloine, 1932, 308 pp.
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