Que a palavra das testemunhas não deve ser obrigatoriamente digna de crédito, os mais ingênuos dos policiais sabem bem. Livres, de resto, para nem sempre tirar desse conhecimento teórico o partido que seria preciso. Do mesmo modo, há muito tempo estamos alertados no sentido de não aceitar cegamente todos os testemunhos históricos. Uma experiência, quase tão velha como a humanidade, nos ensinou que mais de um texto se diz de outra proveniência do que de fato é: nem todos os relatos são verídicos e os vestígios materiais, [eles] também, podem ser falsificados. Na Idade Média, diante da própria abundância de falsificações, a dúvida foi [frequentemente] como um reflexo natural de defesa. "Com tinta, qualquer um pode escrever qualquer coisa" exclamava, no século XI, um fidalgo provinciano loreno, em processo contra monges que armavam-se de provas documentais contra ele. A Doação de Constantino — essa espantosa elucubração que um clérigo romano do século VIII assinou sob o nome do primeiro César cristão — foi, três séculos mais tarde, contestada nos círculos do mui pio imperador Oto III. As falsas relíquias são procuradas desde que as relíquias existem.
No entanto, o ceticismo de princípio não é uma atitude intelectual mais estimável ou mais fecunda que a credulidade, com a qual, aliás, combina-se facilmente em muitos espíritos um pouco simplistas. Conheci, durante a outra guerra, um simpático veterinário que, não sem alguma aparência de razão, recusava-se sistematicamente a dar qualquer crédito às notícias dos jornais. Mas se alguém despejasse em seu ouvido boatos dos mais inverossímeis, deliciava-se.
BLOCH, Marc. Apologia da História ou O Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2002, p. 90.
Nenhum comentário:
Postar um comentário