sexta-feira, 30 de março de 2018

Sobre a fabricação do papel


Encontrei em Gustave Lebon (1884) interessantes referências sobre a fabricação do papel. Sabe-e que, na Idade Média, o suporte para escrita era o pergaminho, cujo custo elevado[1] fazia com que, frequentemente, os monges raspassem as obras dos grandes escritores gregos e romanos para sobre elas gravarem suas homilias. A difusão dos saberes reclamava, pois, a utilização de um substrato, análogo ao papiro egípcio, capaz de substituir o pergaminho, prestando assim um grande serviço à difusão dos saberes. Para Le Bon, os árabes foram os primeiros a fazerem essa substituição, o que se comprovaria pela descoberta, por Casiri, na biblioteca do Escorial[2], de um manuscrito árabe assentado sobre papel de algodão que remonta a 1009, anterior, portanto, a todos aqueles existentes nas bibliotecas da Europa. Reconstituindo o caminho histórico dessa invenção, Le Bon faz lembrar que os chineses, desde tempos imemoriais, dominavam a fabricação de papel a partir de casulos de seda, fabricação introduzida em Samarcanda[3] nos primeiros tempos da hégira e, quando os árabes se apoderaram dessa cidade, aí teriam encontrado uma fábrica já instalada. A utilização da preciosa descoberta, todavia, encontrava obstáculo na Europa, onde a seda era pouco ou quase desconhecida. A solução seria substituí-la por outra substância, o quer fora feito pelos árabes, que empregaram o algodão. Dever-se-ia também aos árabes a descoberta do papel de trapos, de difícil fabricação, exigindo numerosas manipulações, porque o emprego deste tipo de suporte entre os árabes é muito anterior ao uso que os povos cristãos fizeram dele. Afirma Le Bon que o documento considerado como o mais antigo manuscrito sobre papel existente na Europa é uma carta de Joinville a São Luiz escrita pouco antes da morte deste príncipe em 1270, ou seja, em época superior à sua primeira cruzada no Egito. Todavia, haveria manuscritos árabes sobre papel de trapos anteriores em mais de um século a este documento, notadamente um tratado de paz firmado entre Afonso II de Aragão e Afonso IV de Castilla, que data de 1178 e que se conserva nos arquivos de Barcelona. Sua origem será a celebra fábrica de papel de Xatiba, da qual o geógrafo Edrisi[4], que escreveu na primeira metade do século XII, fala com elogio.
Fonte : LE BON, Gustave. La civilisation des Arabes, Livre VI : La décadence de la civilisation arabe. Paris : Firmin-Didot, 1884. Édition réimprimée à Paris en 1980 par Le Sycomore, Éditeur, 1980.
Imagem: Fragmento de antigo tecido árabe de acordo com desenho do egiptólogo Prisse d'Avesne. 


[1] Lembro-me bem de ter ouvido em minhas aulas de paleografia medieval que seria necessário o couro de não menos de cem vacas para dar contas de uma bíblia.
[2] Real Biblioteca del Monasterio de San Lorenzo de El Escorial.
[3] Segunda maior cidade do Uzbequistão e capital da província de Samarcanda. A palavra significa "Forte de Pedra" ou "Cidade de Pedra" em sogdiano. Fonte : Wikipédia
[4] Abu Abdulá Maomé Idrissi (1099-1165), também conhecido como Idrissi, Xarife Idrissi ou simplesmente Edrisi ou Idris ou, ainda, pelo nome latino de Dreses, sendo também referido na literatura como o Árabe da Núbia,foi um geógrafocartógrafo e botânico árabe, famoso pela qualidade de seus mapas, tanto no desenho quanto na precisão. Fonte : Wikipédia

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